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Alemanha - XV. Revolução e Contrarrevolução, Karl Marx

Tradução: Natasha Ramos

Revisão: Igor Dias Domingues de Souza


O presente texto dá início à série de traduções dos 10 anos de escritos jornalísticos de Marx (e, em menor medida, de Engels) para o New York Daily Tribune (que abreviaremos como NYDT); tarefa que assumimos dada a importância da análise dos autores diante das variadas questões de seu tempo - como a situação chinesa, indiana e americana – para além de suas obras mais densas, bem como dado ser em sua maioria uma coletânea majoritariamente inédita para português brasileiro. Nos debruçamos então sobre os textos originais, extraídos do próprio jornal, para efetivar esse trabalho militante de tradução. Com relação às notas, adotaremos as abreviaturas NT para notas do tradutor e NR para notas do revisor.

O texto que se segue foi publicado na página 6 do número 3517, volume 12, edição de terça-feira, dia 27 de julho de 1852, sendo o primeiro texto de Marx publicado no periódico. Trata das disputas políticas no Parlamento reunido em Frankfurt am Main, constituído em maio de 1848 (no cenário da Primavera dos Povos), realizando um balanço do processo da revolução alemã.

A todos, uma boa leitura!

Igor Dias


Nós, agora, chegamos ao último capítulo na história da Revolução Alemã: o conflito da Assembleia Nacional com os governos dos diferentes Estados, especialmente o da Prússia; a insurreição da Alemanha do sul e da ocidental e sua derrota final frente à Prússia.

Nós já vimos a Assembleia Nacional de Frankfurt¹ funcionando: nós a vimos desprezada pela Áustria, insultada pela Prússia, desrespeitada pelos Estados menores, enganada pelo seu próprio “Governo” Central, que, por sua vez, enganou a cada um dos príncipes do país. Mas, enfim, as coisas começaram a ficar alarmantes para esse fraco, vacilante e insípido corpo legislativo. Ele foi forçado a concluir que “a realização da sublime ideia de unidade alemã estava ameaçada”, o que significava que a Assembleia de Frankfurt, e tudo aquilo que haviam feito e iriam fazer, iria por água abaixo. Assim a Assembleia começou a trabalhar determinada a realizar, o mais rápido possível, sua grande proposta: a “Constituição Imperial”.

Contudo, havia uma dificuldade: Que Governo Executivo ali poderia haver? Um Conselho Executivo? Não; eles pensavam que isto seria transformar a Alemanha em uma república. Um “presidente”? Isso serviria ao mesmo propósito. Então eles devem reviver a antiga dignidade Imperial. Mas - como obviamente um príncipe deveria se tornar imperador - quem deveria ser? Certamente de nenhuma das Dii minorum gentium [nações de deuses inferiores]² de Reuss-Schleitz-Greitz-Lobenstein-Ebersdorf até a Bavária. Ambas Áustria e Prússia não tolerariam isso. Poderia apenas vir de uma das duas. Mas qual delas? Não há dúvidas que, sob circunstâncias favoráveis, essa augusta Assembleia estaria sentada até hoje discutindo esse importante dilema, sem chegar a qualquer conclusão, caso o governo Austríaco não tivesse cortado o nó górdio³ e as poupado trabalho.

A Áustria sabia muito bem que, no momento que se postasse diante da Europa com todas as suas províncias dominadas, como uma poderosa nação europeia, a própria lei da gravitação política atrairia o resto da Alemanha para a sua órbita, sem necessitar de qualquer autoridade que uma coroa imperial conferida pela Assembleia de Frankfurt pudesse lhe proporcionar. A Áustria tinha sido muito mais forte e livre desde que se livrara da débil coroa do Império Germânico – uma coroa que reprimia sua política independente, enquanto não a fortalecia de forma alguma, tanto dentro quanto fora da Alemanha. E supondo que a Áustria não podia manter sua influência na Itália e na Hungria – porque, então, ela foi dissolvida, aniquilada também na Alemanha, e não poderia mais retomar uma coroa que saiu de suas mãos quando estava com toda a sua força. Assim, a Áustria se posicionou contra qualquer reforma imperialista e demandou a restauração do Reichstag, o único Governo Central da Alemanha reconhecido pelos tratados de 1815; e, em 4 de março de 1849, apresentou uma constituição que não tinha outro objetivo além de declarar a Áustria como uma monarquia independente, indivisível e centralizada, distinta até daquela Alemanha que Assembleia de Frankfurt pretendia reconhecer.

Essa declaração de guerra não deixou aos sabichões de Frankfurt outra escolha além de excluir a Áustria da Alemanha e criar com o que restou deste país uma espécie de império inferior, uma “pequena Alemanha”, um manto Imperial esfarrapado que cairia sobre os ombros de Sua Majestade da Prússia. Isso, lembraremos, foi a recuperação de um antigo projeto já adotado há cerca de seis ou oito anos por um partido de doctrinaires liberais da Alemanha Sul e Central, que consideravam divinas as circunstâncias degradantes pelas quais suas notas novamente soavam, agora como um novo movimento pela salvação do país.

Em fevereiro e março de 1849, o debate acerca da Constituição Imperial foi finalizado, assim como a Declaração de Direitos e a Lei Eleitoral Imperial; mas não sem serem forçados a fazer, em muitos pontos, as mais contraditórias concessões - ora ao partido Conservador, ou melhor, Reacionário, ora às mais avançadas facções da Assembleia. De fato, era evidente que a liderança da Assembleia, que já havia pertencido à direita e à centro-direita (Conservadores e Reacionários), estava, lenta e gradualmente, sendo assumida pela esquerda, ou pelo lado Democrático. A posição duvidosa dos deputados austríacos numa Assembleia que excluiu seu país da Alemanha, e para a qual eles ainda eram chamados a votar, favoreceu o desequilíbrio da sua balança; dessa forma, já ao fim de fevereiro, a esquerda e a centro-esquerda se encontravam, com a ajuda dos votos austríacos, frequentemente em maioria, enquanto em outros dias a fração conservadora dos austríacos, de uma hora para a outra, pela graça da coisa, votava com a direita, e a balança mais uma vez pendia para o outro lado. Eles pretendiam, com esses sobressaltos, deslegitimar a Assembleia, o que era desnecessário pois a maior parte das pessoas já estava convencida da ineficácia e futilidade de qualquer coisa vinda de Frankfurt. A espécie de constituição criada sob tantos golpes e contragolpes pode ser facilmente imaginada.

A Esquerda da Assembleia – essa elite e orgulho da Alemanha revolucionária, como acreditava ser – estava completamente intoxicada por alguns minúsculos sucessos conquistados pela boa vontade, ou melhor, pela má vontade, de alguns políticos austríacos, agindo sob ordens e pelo interesse do despotismo austríaco. Sempre que alguma mínima aproximação aos seus princípios, não muito bem definidos, obtinha, em doses homeopáticas, uma forma de sanção pela Assembleia de Frankfurt, esses democratas proclamavam que salvaram o país e o povo. Esses pobres homens, fracos de espírito, eram tão pouco acostumados a qualquer coisa como o sucesso durante suas, geralmente, obscuras vidas, que eles realmente acreditavam que suas ínfimas emendas, aprovadas por dois ou três votos, mudariam toda a Europa. Desde o início de suas carreiras legislativas eles têm sido mais impregnados que qualquer outra fração da Assembleia pela doença incurável do cretinismo parlamentar, um transtorno que penetra suas infelizes vítimas com a solene convicção de que todo o mundo, sua história e futuro, são governados e determinados por uma maioria de votos naquele corpo representativo específico que tem a honra de os ter como membros, e que tudo aquilo que acontece fora de suas paredes – guerras, revoluções, construção de ferrovias, colonização de continentes inteiros, descoberta de ouro na Califórnia, canais da América Central, exércitos russos e qualquer outra coisa que possa ter influência no destino da humanidade – não é nada se comparado aos incomensuráveis eventos que dependem da importante questão, seja ela qual for, que ocupa a atenção de sua honorável casa naquele momento. Assim, por efetivamente contrabandearem algumas de suas panaceias para a “Constituição Imperial”, o partido Democrático da assembleia ficou sujeito a apoiá-la, mesmo que em todos os pontos essenciais ela contradissesse seus próprios princípios; e, por fim, quando esse trabalho vira-lata foi abandonado e legado a eles pelos seus principais autores, aceitaram a herança e sustentaram esta Constituição Monárquica, mesmo em oposição à todos que, então, proclamassem seus próprios Princípios Republicanos.

Contudo deve ser confessado que nisso a contradição era meramente aparente. O caráter indeterminado, contraditório e imaturo da Constituição Imperial era a imagem dos imaturos, confusos e conflituosos ideais políticos desses democratas. E se seus próprios ditos e escritos – até onde eles sabiam escrever – não são prova suficiente disso, suas ações fornecem tal prova; pois entre pessoas sensatas é algo natural julgar um homem não pela sua profissão, mas por suas ações; não pelo que ele aparenta ser, mas pelo que ele faz e pelo que ele realmente é; e os feitos desses heróis da democracia alemã falam alto o suficiente por si mesmos, como aprenderemos pouco a pouco. Todavia, a Constituição Imperial, com todos os seus apêndices e parafernálias, foi definitivamente aprovada e, em vinte e oito de março, o rei da Prússia foi, com 290 votos contra, 248 abstenções e 200 ausências, eleito o Imperador da Alemanha minus Austria. A ironia histórica estava completa; a farsa imperial executada nas ruas de uma Berlim atônita, três dias depois da Revolução de dezoito de março de 1848, por Frederick William IV, num estado que em outros lugares estaria sujeito à Lei do Maine – essa farsa sórdida, apenas um ano mais tarde, foi sancionada pela pretensa Assembleia Representativa de toda Alemanha. Esse, então, foi o resultado da Revolução Alemã!

Karl Marx,

Londres, Julho de 1852.



 


1. No texto original, lê-se Frankfort. [N.T.]


2. Marx traduz originalmente como “Minor Gods”. [N.T.] Aqui se refere a reinos alemães: Reuss, na região da Turíngia; Schlitz (aqui grafado como Schleitz), na região de Hesse; Greiz, na região da Turíngia; Lobenstein e Ebensdorf, também na Turíngia. Estas cidades-estado/reinos encontram-se no Centro-Leste alemão, provavelmente confederavam em torno de interesses mútuos. [N.R.]


3. Marx utiliza a expressão em referência à lenda do nó impossível de ser desfeito que Górdio da Frígia atara para prender sua carroça a um pilar no Templo de Zeus, cujo desatar deu-se por Alexandre o Grande, ao cortá-lo com sua espada. [N.R.]


4. No texto original: German Diet. Também traduzido por Parlamento Alemão, da terminologia política inglesa “Diet”: Assembleia/Parlamento. Marx refere-se à legislação do Sacro Império Romano-Germânico, dissolvido em 1806, não sendo, portanto, um parlamento moderno, mas a congregação das entidades políticas componentes do Império, que gozavam de autonomia entre si, conforme a origem medieval da legislatura. [N.R.]


5. O reino austríaco possuía alta relevância para a unidade alemã, não apenas por sua extensão geográfica, mas essencialmente por sua influência política herdade do extinto Sacro Império Romano-Germânico, cuja capital era Viena. [N.R.]


6. Marx refere-se ao grupo de monarquistas franceses partidários da reconciliação da monarquia com os ideais da revolução burguesa de 1789, durante a Restauração e a Monarquia de Julho. Entre seus expoentes políticos estiveram François Guizot e o Duque de Broglie. [N.R.]


7. No original: Maine Liquor Law. A Lei do Licor do estado do Maine (EUA) foi fruto dos movimentos de temperança nos EUA; restringiu fortemente o consumo e a venda de álcool, proibindo o consumo público de bebidas a partir de 1851. [N.R.]


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