por Igor Dias Domingues de Souza e
Krishna Edmur de Souza Chagas
O presente artigo foi originalmente publicado como trabalho completo nos anais do “II Simpósio Nacional Educação, Marxismo e Socialismo”, em 2018.
Introdução
Os termos Fordismo-Taylorismo tem um longo histórico de utilização. Do cientista social ao administrador de empresa, do jornalista da coluna de negócios ao professor universitário. Não é objetivo do presente artigo, como se fará visível ao longo deste, analisar os diferentes espaços em que o uso dos termos já citados acima se tornam comuns, mas vale destacar que os termos “Fordismo-Taylorismo” ganharam popularidade para além dos meios acadêmico e empresarial.
O foco da presente análise está na compreensão do binômio “Fordismo-Taylorismo” pelos autores situados politicamente à esquerda. Entretanto, cabe ressaltar que a utilização do termo não está restrita à esquerda, inclusive alcançando destacada visibilidade nos cursos superiores de administração, bem como em jornais e revistas de caráter empresarial.
Pensando o “Taylorismo-Fordismo” na intelectualidade à esquerda, foco de nossa pesquisa, torna-se risível o modo como os termos ganharam acentuada importância dentro do supracitado espectro político, presente em publicações de peso. Um bom exemplo encontra-se em “Labor and Monopoly Capital” de Harry Braverman, no qual o autor dá aguda relevância ao binômio, onde nas palavras deste: “A comprehensive and detailed outline of the principles of Taylorism is essential to our narrative” [1] (BRAVERMAN, 1998, p.59-60). Não somente Braverman, mas outros importantes autores, nacionais e internacionais, seguiram os mesmos rumos teóricos, como Ricardo Antunes e David Harvey, cuja obra tem impactado de forma sensível a esquerda, tema a ser estudado a fundo mais adiante.
Há, no entanto, que compreender, que não apenas indevido, bem como por vezes supervalorizado, o uso dos conceitos Taylorismo-Fordismo insere-se num extenso debate do qual tomamos parte visando uma modesta contribuição, embasada em discussões já travadas por outros autores. Nessa perspectiva, esse artigo se apresenta não apenas enquanto defesa árdua da interpretação a qual tomamos parte, mas enquanto debate contributivo para o cenário intelectual.
O taylorismo-fordismo
Os termos “Taylorismo-Fordismo”, aparecendo vezes juntos, vezes separados, foram amplamente difundidos desde a publicação da obra de Frederick Winslow Taylor, “Princípios da Administração Científica” (TAYLOR, 1995), e posteriormente com a ascensão da indústria Ford. O processo de difusão de ambas as teorias organizativas na esquerda não foi diferente. Diversos autores debatem incessantemente esta questão há décadas, de modo que, atualmente, têm-se uma ideia hegemônica do que o “Taylorismo-Fordismo” representa no ciclo de acumulação capitalista.
Para este setor da esquerda, o “Taylorismo-Fordismo” representa um momento histórico do modo de produção capitalista. Desta feita, o Taylorismo é apresentado como o suprassumo da organização de produção de um ciclo específico da acumulação capitalista global. Esta supervalorização torna-se aparente em Braverman, quando, tratando sobre a teoria organizativa de Taylor, o autor afirma que o “Taylorismo-Fordismo” é “A verbalização do modo de produção capitalista” (BRAVERMAN, 1998, p.60) (tradução nossa). Ou em Ricardo Antunes, quando o autor fala da “crise do padrão de acumulação taylorista/fordista” (A FOICE E O MARTELO, 2018, p. 1) E também em Harvey, por exemplo, nota-se, para além da supervalorização, o desembolar de ambas as teorias na tentativa de compreensão da realidade:
Aceito amplamente a visão de que o longo período de expansão de pós-guerra, que se estendeu de 1945 a 1973, teve como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder políticoeconômico, e de que esse conjunto pode com razão ser chamado de fordistakeynesiano (HARVEY, 2008, p.119)
O autor deixa explícito nesta citação o problema apontado anteriormente. Para Harvey, o modelo “fordista-keynesiano” assume condição de forma organizativa específica da produção de determinada etapa histórica do modo de produção capitalista, sendo, inclusive, chamado pelo autor de “regime de acumulação” (HARVEY, 2008, p.122). Elevado, devido a isto, à condição de modelo existente em grande proporção na sociedade capitalista, ao menos entre 1945-1973, como defende o autor. Esta condição de categorização do Taylorismo pode ser compreendida mais nitidamente se observarmos a análise de Harvey acerca das implicações da produção em massa, ao diferenciar Ford e Taylor:
Produção em massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. (HARVEY, 2008, p.121, grifo nosso)
No próximo capítulo, buscaremos relativizar a real importância da teoria de Taylor na construção do capitalismo norte americano, onde surgiu o taylorismo e o fordismo. Para tanto, se faz necessário uma análise histórica e econômica da ascensão dos Estados Unidos à condição de potência capitalista global.
Transformações do capitalismo norte-americano de meados do século XIX ao início do século XX
A importância dada ao “Taylorismo-Fordismo” por Harvey e Braverman alça o mesmo à condição de momento fundamental para a transformação do capitalismo norte-americano, tendo este, para os autores, contribuído decisivamente para a construção das bases que permitiriam o lançamento do país ao patamar de potência global.
Ao realizar pesquisas acerca da construção do capitalismo norte-americano, foi possível submeter este tema ao crivo histórico e analisar se, de fato, o “Taylorismo-Fordismo” ocupa este posto estratégico no estágio monopolista do capitalismo. Ora! Harvey e Braverman apregoam o “Taylorismo-Fordismo” à condição de fase de acumulação, estágio essencial da produção na sociedade do capital. Entretanto, os dados relativos à realidade do desenvolvimento e consolidação do capitalismo norte-americano levam-nos a questionar a categorização destas formas de organização da produção enquanto tal. Um importante autor que fornece base a essa pesquisa é Alfred Chandler, que, discutindo a importância dos gerentes na formação da empresa moderna nos EUA, utiliza-se de dados corporativos para esclarecer como se deu a transformação interna do capitalismo nos EUA durante a virada do século XIX.
In these ways, then, the nation's first railroad boom provided a basic impetus to the rise of the large-scale construction firm and the modern investment banking house. However, these firms created no new problems of internal management in their operation. Neither the construction company nor the investment banking house built a large geographically extended administrative network of operating units. (CHANDLER, 1977, P.94)
Se por um lado os dados advindos do estudo de Chandler sobre o que o mesmo define como a “classe gerencial” no processo de consolidação e expansão do capitalismo norte-americano nos dão suporte material para compreender o afluxo de capitais que levaria à transformação do mesmo, Aloísio Teixeira auxilia nossa análise de forma crucial ao lançar a tese de que “a fantástica trajetória dos Estados Unidos em direção à hegemonia mundial tem a ver com a forma específica como surgiu, em seu espaço nacional, o “modern capitalism” (TEIXEIRAS, 1999, p. 156-157). Para Teixeiras, o surgimento do “modern capitalism”, e não da manufatura (mais adiante veremos que o taylorismo não difere da manufatura), explica a ascensão norte americana, como afirma:
A força expansiva do grande capital americano durante um século decorre assim, em última instância, não de uma pretensa superioridade tecnológica de seu sistema manufatureiro (que não era tão grande no início) (TEIXEIRAS, 1999, P.158).
Convergimos, deste modo, para o essencial ao surgimento deste “modern capitalism”, uma vez que seria este o responsável factual para a virada econômica do capitalismo norteamericano, e, portanto, ponto fundamental para nosso estudo. Tanto Teixeiras quanto Chandler concordam que o mesmo se deu com base na expansão em grande escala das empresas ferroviárias:
Foi sobre essa base que explodiu a ferrovia. Modificando radicalmente a escala de produção e de distribuição e o tamanho da firma, seus efeitos encadeados para trás e para a frente foram de uma ordem até então desconhecida. Ela permitiu o encontro entre o vapor, o carvão mineral, o ferro, a construção civil (pela exigência de obras de infra-estrutura, como pontes e terminais urbanos) e o Estado (como vetor de demanda); ela pressupõe um novo sistema de comunicações, que viria a surgir com o telégrafo; ela impulsiona o sistema fabril~ não apenas pela demanda que exerce, mas oferecendo segurança e rapidez nos transportes e comunicações, e, acima de tudo, um modelo de organização empresarial que iria revolucionar o velho sistema produtivo.(TEIXEIRAS, 1999, P. 163)
Se nos aproximarmos mais atentamente do período analisado pelo autor, levando em consideração que a obra de Taylor somente seria publicada no ano de 1911, concluiremos, claramente, não ser o Taylorismo o responsável pela acumulação de capitais especificamente encarregado por alçar a economia norte americana ao patamar de superpotência capitalista no século XX. Pelo contrário, o desenvolvimento administrativo nas empresas do país, sejam elas as ferrovias e os setores da química ou sejam elas de produtos industriais e consumíveis, bem como o setor alimentício, encontra na realidade sua comprovação enquanto pedra fundamental do processo de virada na economia dos Estados Unidos da América. É justamente neste quesito que a tese de Chandler em seu livros The Visible Hand (CHANDLER, 1977) e Scale and Scope (CHANDLER, 1990) são importantes para a presente pesquisa, Chandler apresenta-nos o modo como os principais setores da economia norteamericana se desenvolveram de forma independente ao Taylorismo. Isso é visível quando, com Chandler, analisando a evolução da produção de consumíveis químicos ou alimentícios, somos confrontados com a seguinte questão:
Among the leading producers of branded, packaged foods and consumer chemicals, growth through investment in new products became even more important than growth by facilities and personnel abroad. (CHANDLER, 1990, P. 161)
Muito embora investir em novos produtos tenha sido uma das principais formas encontradas para que esse ramo do mercado se desenvolvesse, Chandler elenca outras questões, como as diversas formas de desenvolvimento das economias de escala e também de escopo, que nos permitem compreender a complexidade da dinâmica do movimento histórico tratado. Entretanto, como já demonstrado, o autor deixa claro que, nesse ramo, o crescimento dos negócios se dá, de maneira mais acentuada, na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, não estando seu foco principal de consolidação no controle da produtividade dos trabalhadores. É necessário destacar, inclusive, que esse ramo, em determinados períodos, representou uma grande parcela das empresas norte-americanas instaladas no continente europeu.
Portanto, na contramão das teorizações hegemônicas no campo político-intelectual da esquerda, representadas, neste quesito, por Braverman e Harvey, destacamos o TaylorismoFordismo enquanto formas organizativas de produção, em determinados setores produtivos, dentro do ciclo de acumulação do modo de produção capitalista. Ponto este que será melhor desenvolvido no próximo capítulo.
O taylorismo-fordismo e o problema da generalização
Marx em sua juventude publica um importante texto que até hoje nos é caro, seja para compreender a trajetória intelectual do autor e sua aproximação da economia política, seja para entender certas categorias expostas pelo autor, sendo este "A miséria da Filosofia", escrito em 1847 em resposta ao livro "A filosofia da Miséria", do importante socialista francês Pierre Joseph Proudhon. Dado que o presente estudo suscita uma discussão sobre a vulgarização de termos, que na tentativa de explicar a realidade, nem sempre são usados da melhor forma, a Miséria da Filosofia tem grande valor para a nossa pesquisa. Já que é constante no texto de Marx a exploração das limitadas "categorias do Sr Proudhon" (MARX, 2017a, p. 114).
Aprofundando na obra marxiana:
O trabalho se organiza e se divide diferentemente conforme os instrumentos de que dispõe. O moinho manual supõe uma divisão distinta daquela requerida pelo moinho a vapor. Portanto, é chocar-se contra a história querer começar pela divisão do trabalho em geral para chegar em seguida a um instrumento específico de produção, as máquinas.(MARX, 2017a, P.118)
O que está posto acima, entre outras coisas, é senão a importância de estudar as formas de produção em suas particularidades. O binômio “Taylorismo-Fordismo”, vale ressaltar neste momento, dada a forma em que seu uso têm ocorrido, está longe de representar o movimento do real.
O conceito de “Taylorismo-Fordismo” difundiu-se na sociedade, ganhando espaço para além dos meios acadêmicos, sendo ensinado inclusive nas escolas básicas nos cursos de ensino fundamental e médio. Não obstante, a concepção prevalecente é a de que a forma de produção capitalista foi, em sua maioria, “Taylorista-Fordista”. Sustentamos a limitada existência do “Taylorismo-Fordismo” no mundo do trabalho. Com Kabat:
Consideramos que la explicación que Marx da de las transformaciones operadas en la división del trabajo durante el pasaje de la manufactura a la gran industria representa un punto firme desde el cual comenzar a desentrañar el significado de los fenómenos que comúnmente se describen bajo los rótulos de taylorismo y fordismo, así como para entender las transformaciones contemporáneas en los procesos de trabajo. (KABAT, 2006, P. 8)
De forma alguma o “Taylorismo-Fordismo” pode se sustentar enquanto verbalização do modo de produção capitalista. Isso porque, até mesmo nos EUA, onde tanto Taylor quanto Ford tem sua origem, a transformação das forças produtivas se deu no país por meios anteriores ao Taylorismo. Vejamos:
A chave para o entendimento do "milagre econômico" norte-americano após 1860, milagre esse que permitiu o salto de qualidade e a transformação do país na maior potência industrial do globo, reside na ferrovia. Com ela nasce o modern capitalism. (TEIXEIRAS, 1999, p.162)
Da mesma forma:
Foi sobre essa base que explodiu a ferrovia. Modificando radicalmente a escala de produção e de distribuição e o tamanho da firma, seus efeitos encadeados para trás e para a frente foram de uma ordem até então desconhecida. Ela permitiu o encontro entre o vapor, o carvão mineral, o ferro, a construção civil (pela exigência de obras de infra-estrutura, como pontes e terminais urbanos) e o Estado (como vetor de demanda); ela pressupõe um novo sistema de comunicações, que viria a surgir com o telégrafo; ela impulsiona o sistema fabril não apenas pela demanda que exerce, mas oferecendo segurança e rapidez nos transportes e comunicações, e, acima de tudo, um modelo de organização empresarial que iria revolucionar o velho sistema produtivo. (TEIXEIRA, 1999, p. 163)
É necessário novamente destacar que quando das transformações supracitadas Taylor não havia ainda publicado sua obra, ou seja, as grandes indústrias que transformaram radicalmente o sistema produtivo norte-americano, surgiram e se consolidaram de maneira independente ao “Taylorismo-Fordismo”. É possível que se argumente posteriormente que, com o surgimento do taylorismo, esses ramos da produção tenham adotado a chamada "forma de produção taylorista", no entanto se houve alguma influência, em muito setores ela de certo foi irrisória, basta que observemos o exemplo do ramo dos "packages"(que representam parte considerável da economia norte americana no início do século XX) (CHANDLER, 1990); neste ramo as inovações que garantiam prosperidade às empresas, provinham muito pouco da "gestão de tempos e movimentos". De acordo com Chandler:
A third characteristic distinguishing the producers of branded, packaged products was that their essential tripartite investment in manufacturing, marketing, and management was initially smaller than that required in other industries in which the modern enterprise clustered. Not only did the marketing and distribution of these companies' goods require less in the way of product specific personnel and facilities, but the optimal size of plants was usually much smaller. (CHANDLER, 1990, p. 149)
Não estamos afirmando que o “Taylorismo-Fordismo” foi trivial. De fato, foi importante para a história norte-americana e transformou profundamente a manufatura, possibilitando inclusive uma produção em massa no setor automobilístico, o que representou um assombroso movimento de capital nos EUA. Entretanto, é necessário problematizar afirmações como a seguinte, onde Benedito, comentando a visão de Braverman pondera:
Ademais de considerar o taylorismo, e sua forma desenvolvida, o fordismo, como caracterizadores da indústria moderna, seja qual for seu ramo e sua natureza técnica (MORAES NETO, 1995, p.13)
Não somente em Braverman, como é levantado pelo próprio Benedito Moraes, a visão difundida do fordismo e do ohnoísmo, a qual o autor antagoniza, é de que:
Ambos os conceitos teriam, segundo essa visão, poder para caracterizar a atividade industrial em sua totalidade. Procurar-se-á argumentar em sentido oposto, buscando a caracterização tanto do fordismo como do ohnoísmo como formas específicas de organização do processo de trabalho industrial (MORAES NETO, 1998, p. 2)
Essa é a grande problemática em torno dos termos “Taylorismo-Fordismo”. Termos universais, que, por conseguinte, não conseguem explicar as coisas nas suas especificidades, como bem observou Kabat:
A nuestro juicio, en la definición del taylorismo se conjugan elementos que son tendencias generales del capitalismo, siendo esto lo que permite que se lo encuentre en sus diversas etapas, con ciertos rasgos propios de la manufactura, como la división sistemática del trabajo. En esta conjunción radica la “universalidad” de este concepto pero también su equívoco fundamental: trasladar a etapas posteriores características propias de la manufactura, al tiempo que las particularidades del régimen de gran industria se difuminan hasta desaparecer. (KABAT, 2006, p.13)
O taylorismo-fordismo como expressão máxima da manufatura
Chegamos agora no ponto crucial do artigo, onde podemos expor a tese central. Através de estudos do Capital em Marx, e também de outros autores, marxistas e não marxistas, pudemos chegar à conclusão de que o “Taylorismo-Fordismo” só se dá na manufatura.
Comecemos com o Taylorismo, já que apesar de observarmos as mesmas características em ambos os termos, é necessário respeitar suas especificidades. E para tanto, vamos a Taylor em seu livro Princípios da administração científica:
Ora, entre os vários métodos e instrumentos utilizados em cada operação, há sempre método mais rápido e instrumento melhor que os demais. Estes métodos e instrumentos melhores podem ser encontrados, bem como aperfeiçoados na análise científica de todos aqueles em uso, juntamente com acurado e minucioso estudo do tempo. Isto acarreta gradual substituição dos métodos empíricos pelos científicos, em todas as artes mecânicas (TAYLOR, 1995, p. 33)
No trecho retirado acima, Taylor está discutindo a atividade produtiva dos operários, momento este em que o autor faz a defesa de haver na empresa uma análise e uma intervenção científica, promovida pelos administradores, com o intuito de aperfeiçoar os tempos e movimentos operados pelo trabalhador, reduzindo o desperdício de energia, e atingindo maiores níveis de produtividade. A preocupação de Taylor, assim como veremos em Ford, é em relação à produtividade do trabalhador. Esses autores estão preocupados com a formulação de um método que melhor reduza o dispêndio de energia do trabalhador com coisas desnecessárias, tornando-o, consequentemente, mais produtivo.
Vamos agora a Marx:
E, como a habilidade artesanal permanece a base da manufatura e o mecanismo global que nela funciona não possui qualquer esqueleto objetivo independente dos próprios trabalhadores, o capital trava uma luta constante com a insubordinação deles. (Marx, 2017b, P. 442)
Fica claro em Marx, ao destacar características da manufatura, que a base desta é a atividade artesanal, e que, portanto, em última instância, a produção é completamente dependente do corpo social produtivo, os trabalhadores. Isso faz com que haja espaço para que a produtividade dos trabalhadores oscile irregularmente no processo produtivo, colocando, em certo nível, barreiras para o valorização do capital. Com isso Marx aponta também limitações, mostrando que "A queixa sobre a falta de disciplina dos trabalhadores atravessa então todo o período da manufatura" (MARX, 2017b, p. 442). Chegando a afirmar que "Sua própria base técnica estreita, tendo atingido certo grau de desenvolvimento, entrou em contradição com as necessidades de produção que ela mesmo criara." (MARX, 2017b, p. 442).
Se, por um lado, os limites da manufatura se dão na dependência sobre a produtividade do homem, por outro, a maquinaria surge enquanto solução para esse problema. Para Marx "A partir do momento em que a ferramenta propriamente dita é transferida do homem para um mecanismo, surge uma máquina no lugar de uma mera ferramenta." (MARX, 2017b, p. 448). Em miúdos, as ferramentas, que na manufatura dependiam do manejo do homem para realizar alguma tarefa, na maquinaria se tornam independentes, já que "A máquina-ferramenta é, assim, um mecanismo que, após receber a transmissão do movimento correspondente, executa com suas ferramentas as mesmas operações que antes o trabalhador executava com ferramentas semelhantes" (MARX, 2017b, p. 447-448)
Moraes Neto é essencial neste sentido. O autor compreendeu em Marx o caráter do trabalho na manufatura, que é diferente do trabalho no maquinário. Caracterizando o trabalho na maquinaria o autor escreve:
a máquina surge da manufatura e a nega, arrancando o instrumento de trabalho das mãos do trabalhador e colocando-o em um mecanismo, fazendo com que o processo de produção seja agora uma aplicação tecnológica da ciência. O ritmo do processo de trabalho, a qualidade do produto não tem nada mais a ver com o trabalho humano e sua ferramenta, mas sim com as especificações, com a qualidade, com a natureza da máquina. O trabalho humano intervém de vez em quando, o trabalho humano vigia, passa a ter funções absolutamente sem conteúdo; ocorre uma perda radical de conteúdo do trabalho vivo (MORAES NETO, 1986, p.32)
Confirmando o que havíamos observado em Marx. E, agora, quando descreve o trabalho na manufatura, Benedito mostra que:
em vez de se retirar a ferramenta das mãos do trabalhador e colocá-la em um mecanismo, ocorre o contrário; mantém-se a ferramenta nas mãos do trabalhador e vai-se, isto sim, dizer a ele como deve utilizar essa ferramenta; ou seja, ao mesmo tempo que se mantém o trabalho vivo como a base do processo de trabalho, retira-se toda e qualquer autonomia do trabalhador que está utilizando a ferramenta. (MORAES NETO, 1986, p.32)
Trouxemos um trecho da principal obra do Taylor, e a que muito embasa o que hoje é chamado de Taylorismo. Logo após apresentamos a caracterização de Marx da manufatura e também da maquinaria, diferenciando principalmente, de que forma se dão as relações de trabalho em cada uma das formas de produção. Fizemos esse caminho para apresentar a questão, embasada na tese de Benedito Moraes, e também de Kabat, que o “TaylorismoFordismo”, com suas respectivas diferenças, que ainda devem ser destacadas, é restrito à manufatura.
Ao discutir sobre como se dá a forma de exploração no Taylorismo, Benedito afirma que isso se dá de forma despótica, sob o controle dos passos do trabalhador (MORAES NETO, 1984, p. 23). Ou seja, é o controle do trabalho vivo, traço característico da manufatura, como vimos em Marx. Outro autor importante que nos permite entender esse caráter inerente à manufatura, de necessidade de controle do trabalhado vivo no “Taylorismo-Fordismo”, é o próprio Harvey. Atentemo-nos a esse trecho:
A subsequente mobilização da época da guerra também implicou planejamento em larga escala, bem como uma completa racionalização do processo de trabalho, apesar da resistência do trabalhador à produção em linha de montagem e dos temores capitalistas do controle centralizado. (HARVEY, 2008, p. 123)
Marina Kabat nos apresenta um ponto para refletirmos sobre essa afirmação. De acordo com a autora, como já abordamos nos capítulos anteriores, o conceito de Taylorismo é impreciso, e muito abrangente para ser usado enquanto explicação para determinadas formas de produção. Entretanto, Kabat concorda "que sus elementos principales responden a las características de la etapa manufacturera." (KABAT, 2006, p.13). E afirma que:
En síntesis, la división del trabajo, la creación del obrero parcelario y la puesta en práctica del principio de Babbage, constituyen elementos típicos de la manufactura, los cuáles son desarrollados por el taylorismo hasta el extremo de sus posibilidades. El taylorismo es, entonces, la máxima expresión de la manufactura.(KABAT, 2006, p. 17)
Novamente no texto de Moraes Neto, quando o autor defende que "Estamos bastante distantes da forma descrita por Marx de ajustamento da base técnica às determinações de capital" (MORAES NETO, 1984, p.23), e afirma que, para Marx:
o capital reage de uma forma diferente: ao invés de subordinar o trabalho vivo através do trabalho morto, pelo lado dos elementos objetivos do processo de trabalho, o capital lança-se para dominar o elemento subjetivo em si mesmo. Esta 'façanha' do capital significa, em uma palavra, a busca da transformação do homem em máquina (MORAES NETO, 1984, p.23)
Benedito descreve aqui a forma de exploração do trabalho na maquinaria, que, com Marx, é necessariamente diferente da exploração na manufatura. E Kabat reafirma pontos de convergência com essa tese:
Si nos encontráramos frente a un régimen de gran industria, sería innecesario el desarrollo de toda una estructura gerencial para disociar el proceso de trabajo de la pericia del obrero, puesto la existencia de un sistema de máquinas invalidaria de por sí esa pericia, por eso Marx habla de subsunción real, frente a la subsunción formal propia de la manufactura." (KABAT, 2006, p. 18)
De acordo com a autora, na grande indústria, não se faz necessário os dispêndios da administração para subsumir o trabalhador à estrutura produtiva da fábrica, a própria máquina cumpre esta façanha.
Chegando ao final do capítulo, resta uma diferenciação adiada, e uma nota explicativa acerca da tardia especificação e separação dos termos. É compreensível que qualquer leitor afiado no assunto, que estude mesmo que um pouco do tema, tenha se incomodado com a utilização de Taylorismo e Fordismo, como se fossem a mesma coisa. Entretanto, em nossa defesa, e também para explicar o caráter, de certa forma marginal, que a distinção desses termos ganhou no texto, temos a dizer que, por mais importante que sejam as particularidades do Taylorismo e do Fordismo, quando se trata do foco de nossa análise, os termos apresentam mais coisas em comum do que divergências. Portanto, longe de ser irrisória a especificidade que cada termo ganhou, maior caracterização exige um estudo mais profundo.
O fordismo é popularmente conhecido, e amplamente difundido enquanto a forma de organização de produção que, através da linha de montagem, conseguiu aplicar e aperfeiçoar as práticas de Taylor (MORAES NETO, 1984, p. 25). Independentemente disso, o que nos é fundamental, é o fordismo se apresentar enquanto avanço na chamada gestão de tempos e movimentos frente ao taylorismo, e ainda assim, se restringir à indústria. Assim, ao tentar desenvolver ao máximo a redução do dispêndio energético, o Fordismo, de acordo com Moraes Neto "caracteriza o que poderíamos chamar de socialização da proposta de Taylor" (MORAES NETO, 1984, p. 26). E para Kabat, o fordismo surge enquanto resposta para um constante problema para a manufatura, a comunicação (seja de informação, ou o transporte necessário propriamente para a conclusão do processo produtivo da fábrica) (KABAT, 2006, p. 23). Vejamos nas palavras da própria autora:
En resumen, la cadena de montaje surge para subsanar un problema planteado por la manufactura a partir del aislamiento de tareas. Por otra parte, podemos plantear que en esta primera etapa se inicia el pasaje hacia la manufactura moderna, al introducir un elemento mecánico dentro de un proceso de trabajo realizado fundamentalmente en forma manual. (KABAT, 2006, p. 24)
Conclusão
Marx nos deixou uma grande herança: a importância de analisar a realidade, para a partir dela tirar possíveis conclusões. Ignorar essa forma de compreensão é negar o pensamento em Marx. Ao longo da pesquisa abordamos o que se diz sobre o taylorismo-fordismo, e pudemos chegar à seguinte conclusão: os termos “taylorismo-fordismo”, sob uma análise hegemônica dentro da esquerda (já que nossa pesquisa se restringiu aos autores situados neste espectro político) funcionam como abstratos universais, categorias com pouco poder explicativo sobre a realidade. E difundidos enquanto abstratos universais, quando usados, os conceitos “taylorismo-fordismo”, apresentam dois erros principais. O primeiro de colocar o taylorismofordismo enquanto forma de organização do trabalho de determinado ciclo de acumulação, enquanto o mesmo está presente somente em setores específicos da produção. E o segundo é em generalizar características do taylorismo-fordismo, que são próprias da manufatura, para o modo de produção capitalista como um todo (KABAT, 2006). Nessa interpretação, eleva-se a manufatura enquanto principal forma de produção no capitalismo. E Marx deixa claro que o capital, já no século XIX, apresentava umacerta tendência que apontava para a maquinaria como a principal forma de exploração do capitalismo.
Nosso estudo busca trazer para a academia brasileira, uma discussão crítica acerca dos termos, que aparecem constantemente em trabalhos acadêmicos, sem muito critério, como verdades absolutas. É um trabalho para apresentar a questão, compreendendo todas as limitações que um artigo impõe, de não ser o espaço mais interessante para debater tema tão extenso. Portanto esperamos ter contribuído para o debate.
Bibliografia
A FOICE E O MARTELO. O toyotismo, as novas formas de acumulação de capital e as formas contemporâneas do estranhamento (alienação). Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2018.
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MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Automação e trabalho: Marx igual a Adam Smith? Estudos econômicos. São Paulo, V. 25, n. 1, P. 1-19, 1995. Disponível em:. Acesso em: 14 Jun 2018.
MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Fordismo e ohnoísmo: trabalho e tecnologia na produção em massa. Estudos Econômicos. São Paulo, V. 28, n. 2, p.317-349, abr./jun. 1998.
MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Maquinaria, taylorismo e fordismo: a reinvenção da manufatura. ERA – Revista de administração de empresas. Rio de Janeiro, V. 26, n. 4, p. 31-34, out./dez. 1986
MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Marx, Taylor, Ford: uma discussão sobre as forças produtivas capitalistas. 1984. 148 f. Tese de doutorado em Marx- Instituto de Economia. Unicamp, Campinas
TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 8 ed. São Paulo: Atlas, 1995. 112 p.
TEIXEIRAS, Aloísio. Estados Unidos: a “curta marcha” para a hegemonia. In: FIORI, José Luís (org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 1999. P. 155-190.
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