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O colapso ambiental frente à incontrolabilidade do Capital:

O idealismo político nas lutas de pauta única em Mészáros - Parte I

Ana Carolina Marra de Andrade

Rodrigo Righi Marco

O presente texto é a primeira de duas partes de um artigo que havia sido, a princípio, aprovado para publicação na Revista Práxis Comunal. Com a incerteza sobre a publicação da edição e acreditando na relevância do debate aberto pelo filósofo húngaro, ainda que com discordâncias, entendemos o valor do espaço que nos foi oportunamente aberto para tal.


INTRODUÇÃO

Nossa proposta reconhece, desde seu princípio, a historicidade do gênero humano. Que os homens fazem sua própria história enquanto sujeitos ativos, e, ao atuar sobre a natureza, transformam sua própria natureza. Em tempos de colapso ambiental e de completa destruição de nosso primeiro meio de vida, onde nos conformamos enquanto humanos e sob o qual precisamos nos submeter à sua objetividade, a crítica à racionalidade teleológica do espírito (1), que perpassa a própria crítica da nossa sociabilidade – incluindo as formas de organização social, tal qual a política – se coloca na ordem do dia. A forma de produção social atual — vista como resultado racional do desenvolvimento histórico — provou sua própria irracionalidade efetiva, a partir da cada vez mais clara percepção de sua incontrolabilidade, que, no momento de aparente ativação de seus limites absolutos de expansão, traz contornos cada vez mais preocupantes de colapso, nos colocando em uma posição frágil, afinal, a supressão de nossos meios de vida significa a nossa própria extinção.(2)

Percebemos em István Mészáros, neste sentido, a imponência da crítica a essa incontrolabilidade destrutiva, frente a qual as organizações de esquerda — sejam stalinistas (que, em sua hegemonia ideológica diante da capacidade organizacional comunista, pregam o mesmo produtivismo do pós-capitalismo soviético), (3) sejam reformistas social-democratas (4) (que reconhecem o próprio capital permanente universal da economia política burguesa, mas em sua idealização de possibilidade de controle racional) — se colocam de joelhos, mais impotentes do que nunca. Nesta situação em que o colapso global se coloca com maior iminência que a própria efetivação da proposta revolucionária, buscamos trazer o legado de Mészáros (5) na busca pela compreensão da realidade como primeiro passo da construção de fato de uma ofensiva socialista.

Reconhecer, sem idealismo ou otimismo acrítico, as condições materiais de nosso século, compreendendo os aprendizados das experiências derrotadas no passado, é condição fundamental para que se busque, no futuro, a poesia da Revolução Social na luta por uma sociedade emancipada (6). A única alternativa frente ao colapso ambiental não pode ser outra senão o comunismo, e por isso a importância de se debruçar sobre a grande obra de Mészáros, Para além do Capital (Cf. MÉSZÁROS, 2011), que busca encontrar precisamente uma alternativa para além da ordem do capital, fundamental para a compreensão dessas determinações centrais no contexto de expansão capitalista a partir da consolidação da assim chamada Nova Ordem Mundial e para a construção de uma proposta que busque as possibilidades de superá-lo.

Com este fim, nosso foco na análise da obra de Mészáros será direcionado em sua primeira parte, que centraliza as críticas à incontrolabilidade do sociometabolismo do capital - que torna impotente toda busca racional pela solução de antagonismos centrais da sociedade burguesa descolada das bases materiais da sociabilidade — que culmina no colapso ambiental e na própria impossibilidade da natureza de se colocar enquanto um meio de vida no processo de reprodução de vida humana. Na segunda parte, a ser posteriormente publicada, se buscará trazer a posição das mobilizações populares frente ao contexto — tendo em conta tanto sua parcialização e setorialização, bem como a própria negação de possibilidade revolucionária por parte da esquerda reformista — e suas (im)potencialidades.

Em nossa análise, buscaremos reconhecer a integridade do texto em sua estrutura concreta, almejando compreender sua gênese marxiana e sua função frente ao debate colocado objetivamente e proposto pelo autor; com esse propósito, busca-se negar qualquer tentativa de reconhecimento de equivalência das diversas leituras, seja de Mészáros, seja do próprio Marx, nos fazendo prova de haver compreendido as determinações imanentes fundamentais dos escritos presentes em Para Além do Capital. Para esse procedimento — que se coloca criticamente às formas epistemológicas próprias da análise pseudocientífica da realidade social em discussão — buscaremos luz nas resoluções metodológicas de José Chasin em seu Estatuto Ontológico (Cf. CHASIN, 2009), (7) em oposição à análise lógico-especulativa própria do idealismo, bem como à parcialização categorial das ciências sociais. Nosso método de pesquisa será, neste sentido, a análise imanente ou análise estrutural (Cf. CHASIN, 2009) tal como desenvolvida pelo filósofo brasileiro com base na crítica imanente Lukácsiana (Cf. LUKÁCS, 1959).

Se acreditamos na autarquia, em última instância, da realidade sobre as formas de consciência e acreditamos na necessidade, mais que mera possibilidade, de se compreender as determinações fundamentais sobre esta realidade na busca de sua própria práxis transformadora, para isso, é fundamental fazer, parafraseando Chasin, não qualquer coisa, mas a coisa certa; recomeçar, sem mito e sem música, criar o futuro a partir da reconstrução da luta do presente e, como diz o velho mouro, permitindo aos mortos enterrarem os seus. (8)


I. A INCONTROLABILIDADE DO SISTEMA DE REPRODUÇÃO SOCIOMETABÓLICO DO CAPITAL

“Antes de mais nada, é necessário insistir que o capital não é simplesmente uma “entidade material” (...) mas é, em última análise, uma forma incontrolável de controle sociometabólico” (MÉSZÁROS, 2011, p. 96 - grifos nossos).

Assim Mészáros define o capital, em suas diferenças específicas com o capitalismo, (9) ainda em movimento de crítica também às avaliações das experiências revolucionárias ao longo do século XX. Uma forma de controle sociometabólico de nossa forma de produção social mundial, que escapa ao controle dos indivíduos em resultado de seu alto grau de autonomização no seu processo histórico de consolidação, se colocando, neste sentido, como uma potência estranhada, que age às costas de seus criadores e os subordinam enquanto criaturas, dando-os a ilusão de possibilidade de controle.

Entretanto, nem as chamadas personificações do capital (que vigorosamente acreditam coordenar a universalidade das potências produtivas), tampouco a classe trabalhadora organizada enquanto classe na tomada do poder político, têm a capacidade de domar o capital. Pelo seu caráter totalizante, a lógica de divisão social e internacional do trabalho aparta os indivíduos de uma conexão efetiva com sua própria criatura, o sistema de produção da vida pautado na reprodução ampliada do capital, que os subordina a partir de sua posição na cadeia produtiva e os molda em prol de sua reprodução. Na realidade, aparenta aos homens que o capital os constituiu como Deus criara Adão, e os condenou como no pecado original, a viver, relegados à subordinação, do suor de seu trabalho.

A razão principal por que este sistema forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é precisamente o fato de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma poderosa – na verdade, até o presente, de longe a mais poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. (MÉSZÁROS, 2011, p. 96)

Essas determinações presentes nas bases objetivas de sua estruturação — e às quais a humanidade inteira se submete, senão de maneira direta, certamente sentindo seus reflexos indiretamente (desde as comunidades polinésias que sofrem com o aumento do nível do mar até os esquimós com o derretimento das camadas polares) — impossibilitam qualquer tentativa de racionalização da produção dentro de seus moldes. Em momentos de crise iminente, que mobilizam a burguesia (com sua crença de poder de controle personificado) em busca desse apaziguamento de tensões sociais — geradas por necessidades imediatas e cotidianas, como salários, desemprego, impostos, enfim, aumento da espoliação das classes trabalhadoras —, o capital mostra, em sua verdadeira faceta, a impotência das tentativas de controle social de seu metabolismo, em busca da conciliação dos antagonismos sociais que cada vez mais o levam em direção a seu colapso (10). Neste sentido, dirá Mészáros:

Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos. (MÉSZÁROS, 2011, p. 96 - grifos nossos).

É importante, nesta análise, compreender como o capital alcança essa expansão que, para Mészáros, chega agora aos seus limites absolutos; afinal, como já dito pelo húngaro, o capital não se coloca enquanto uma entidade material simplesmente: é movido a partir da atividade dos homens na sua cotidianidade e de suas necessidades imediatas, sejam elas a venda da força de trabalho, sua apropriação em busca de acumulação individual etc. Como aponta, o “sistema do capital é orientado pela expansão e impelido pela acumulação — e aparece de modo oposto” (MÉSZÁROS, 2011, p. 138), isto é, o capital tem sua expansão impulsionada a partir de um sistema de acumulação por parte de suas personificações em suas estratégias de acordos e competições, seja por mão de obra barata e mercado consumidor, seja por matéria prima e tecnologia de produção, de forma que “as personificações do capital atuam de modo ‘determinante determinado’” (MÉSZÁROS, 2011, p. 139)

Para as empresas que operam segundo a lógica do capital, a única forma de melhorar as oportunidades de controle é aumentar constantemente sua escala de operação – o que torna a expansão do capital uma exigência absoluta –, não importa o quanto sejam destrutivas em termos globais as consequências da utilização voraz dos recursos disponíveis (para os quais as empresas privadas não têm medidas nem preocupações). (MÉSZÁROS, 2011, p. 258).

Independentemente da forma como as personificações do capital determinam sua produção individual (sempre frente à totalidade, claro), da expansão de um capitalista em detrimento de outro (11), ou do acordo para expansão (motivada pela acumulação) conjunta, ela está sempre determinada a partir das leis imanentes de funcionamento do capital, que tem sua necessária expansão garantida e totalizada, hoje, nos quatro cantos do mundo.

À luz deste raciocínio, a expansão do capital, possibilitada pela atuação de suas personificações — desde as grandes navegações e da colonização belicamente forçada das Américas, África e Ásia, até o neocolonialismo europeu e norte-americano no Oriente Médio, em busca de matéria prima para produção e de ampliação do mercado consumidor — atingiu seus limites absolutos. As cada vez mais frequentes crises sociais revelam, para Mészáros, a tendência estrutural do sociometabolismo do capital — resultado de sua incontrolabilidade — que, não tendo mais para onde crescer, torna o potencial produtivo do desenvolvimento de capacidades humanas, por sua vez, altamente destrutivo. Neste momento se alcança a crise estrutural do capital.

Sob as condições de crise estrutural do capital (12), seus constituintes destrutivos avançam com força extrema, ativando o espectro da incontrolabilidade total numa forma que faz prever a autodestruição, tanto para este sistema reprodutivo social excepcional, em si, como para a humanidade em geral. (...) Ele [o capital] só era compatível com ajustes limitados e, mesmo esses, apenas enquanto pudesse prosseguir, sob uma ou outra forma, a dinâmica de autoexpansão e o processo de acumulação. Tais ajustes consistiam em contornar os obstáculos e resistências encontrados, sempre que ele fosse incapaz de demoli-los. (MÉSZÁROS, 2011, p. 100).

Essa crise estrutural, afirmada pela ativação dos limites absolutos de seu sociometabolismo, significaria não apenas a reafirmação de sua caducidade – isto é, que não é capaz de solucionar os conflitos da humanidade, como se propôs nas manifestações da burguesia revolucionária até meados do século XIX — mas o alcance das tensões a seu marco fundamental — a saber, a relação homem-natureza; estaríamos à beira de um colapso ambiental que é também, objetivamente, um colapso da humanidade.

Entretanto, esse colapso não se coloca meramente aos olhos da razão, mas objetivamente, de forma que ele é percebido em escala mundial e vários grupos de pensadores, ativistas e até “capitalistas solícitos”, na expressão de Mészáros (e retomamos o exemplo de Financial Times) buscam sua solução (a motivação pouco importando), seu controle e a efetivação do capitalismo sustentável, permanente e universal a que Hegel se propunha solucionar em seu espírito absoluto: o triunfo da Ideia (Cf. HEGEL, 1974). Assim, buscando o controle da produção, o que permitiria torná-la sustentável, o mundo pensa em regulamentações jurídicas vinculantes, a partir de tratados internacionais, em regulamentação nacional e até em apelos à moral individual, como as campanhas em prol da redução de plástico; tudo para controlar o sociometabolismo do capital – mas justamente com as estruturas que estão, na realidade, fundamentalmente ligadas à sua forma produtiva e reprodutiva, que se coloca enquanto momento preponderante da sociabilidade autodestrutiva que se busca controlar. Trazendo Mészáros,

O impulso expansionista cego do sistema do capital é incorrigível, porque não pode renunciar à sua própria natureza e adotar práticas produtivas compatíveis com a necessidade de restrição racional por escala global. Praticando uma restrição racional abrangente, o capital de fato reprimiria o aspecto mais dinâmico de seu modo de funcionamento, cometendo suicídio como sistema de controle sociometabólico historicamente único. (MÉSZÁROS, 2011, p. 259 - grifos nossos).

Em uma palavra, remetendo-se à crítica do idealismo objetivo hegeliano, proposta por Marx nos textos de 1843 - a dizer, Sobre a Questão Judaica e Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Cf. MARX, 2010; MARX, 2013) —, a tentativa de solucionar o problema ambiental se recorrendo à uma espécie de racionalidade política implica em uma inversão sujeito-predicado, própria do pensamento hegeliano; tomar o criador das formas de controle social, a dizer, o homem, como criatura, assim como o contrário, o que implica em tomar estas formas ideológicas (potências estranhadas resultadas de uma sociabilidade de bases contraditórias) como conciliadoras dos antagonismos sociais, sendo elas próprias são seus frutos. Essa forma idealista de prática política é resultado de uma determinação social do pensamento própria de uma estruturação hierárquica de dominação, que se reafirma em termos também ideológicos. Para buscar uma solução, ela não poderá partir dos teóricos da burguesia, afinal:

Para examinar o controle do sociometabolismo, não pela misteriosa “mão invisível” ou por sua reformulação hegeliana “universalizada” para toda a história do mundo, mas por meio de uma ação humana consciente e independente (uma ação capaz de agir de tal modo, que suas intenções não sejam uma camuflagem perversa e ilusória para a instrumentalidade sumariamente imposta de uma ordem reprodutiva fetichista), é preciso dar um passo para fora do quadro de referências estrutural do capital e abandonar sua base material determinante, que só está sujeita à constituição de um modo de controle incontrolável. (MÉSZÁROS, 2011, p. 140)

E, na outra face da mesma moeda, Mészáros ainda reafirmará que:

Enquanto existir objetivamente espaço para a livre expansão, o processo de deslocamento das contradições do sistema pode avançar sem empecilhos. Quando as coisas não vão bem, ou seja, quando há uma falha no crescimento econômico e em seu correspondente avanço, as dificuldades são diagnosticadas em termos do raciocínio circular, que evita as causas subjacentes e apenas acentua suas consequências, segundo o qual “o crescimento atual não é suficiente”. Tratar dos problemas com essa perversa maneira ilógica repetindo constantemente que “está tudo pronto” para a expansão saudável, mesmo nos momentos das grandes recessões, cria a ilusão de que o modo de controle sociometabólico do capital não precisa de nenhuma mudança fundamental. (MÉSZÁROS, 2011, p. 176)

Assim, todo o discurso que traz o trabalho e a produção social com o fim de satisfação das necessidades humanas é esvaziado por uma fraseologia do crescimento, por um desenvolvimentismo (13) ensimesmado, reafirmando a contradição capital-trabalho como inerente ao “mundo real” (14), de forma que, enfim, o possível a ser feito é atenuar as suas consequências. O pensamento da burguesia decadente, portanto, esvazia a história humana e toma o resultado como pressuposto em seu método de investigação, bem como o imediato como essencial, e o particular como universal. Por isso, a leitura da realidade é fundamental, a crítica do céu como crítica da terra (Cf. MARX, 2013) permite compreender qual é, de fato, a real potencialidade destes elementos pretensamente conciliatórios, que, assim como se refere Mészáros anteriormente, se prendem a um raciocínio circular de um pensamento que nega a historicidade do gênero humano para negar a possibilidade de vislumbre de futuro, afinal, como resultado das bases materiais em que os homens produzem sua vida, não poderia ser diferente, já que

a verdade é que, devido à sua necessária negação do futuro, o sistema do capital está encerrado no círculo vicioso do curto prazo, embora seus ideólogos procurem apresentar esse defeito como virtude insuperável. Esta é a razão por que o capital é incompatível com qualquer tentativa significativa de um planejamento abrangente, mesmo quando este se mostre avassaladoramente necessário no problemático relacionamento de empresas capitalistas globais. (MÉSZÁROS, 2011, pp. 175-176).

Podemos perceber, portanto, que a incontrolabilidade do sociometabolismo do capital se coloca enquanto momento preponderante (15) da produção social, isto é, por onde perpassam as superestruturas ideológicas, que carregam consigo um papel ativo no processo de reprodução social. Ademais, que essa incontrolabilidade acirra as tensões sociais não apenas entre os homens, mas também na relação homem-natureza, de forma que, sob essas bases materiais, essa expansão catastrófica — que já revela traços de colapso — não se coloca enquanto controlável, e, no entanto, o projeto de solução se coloca entorpecido pelo pensamento apologético da burguesia decadente que, na melhor das hipóteses, exacerba a potencialidade da política enquanto forma pela qual se possibilita a reconciliação do homem com seu gênero e sua realidade.


II. O AMBIENTALISMO E A INVIABILIDADE DE SOLUÇÕES PARCIAIS

Diante do capital incontrolável que se expande de modo catastrófico e é sustentado por uma burguesia apologeta, nos termos de Mészáros, é cada vez mais latente a intempérie ambiental causada pela ação humana nos últimos séculos. Neste sentido, diversos movimentos de pautas ambientalistas surgiram, cada um propondo distintas soluções no horizonte da sustentabilidade da relação entre homem-natureza. No entanto, em grande parte pelo que o autor húngaro chama de “crise do marxismo” (MÉSZÁROS, 2011, p. 43) — em decorrência da queda da União Soviética, concomitante ao colapso do stalinismo e do fracasso da social-democracia, que levou a uma imensa disseminação de propagandas triunfalistas que decretaram a vitória definitiva e eterna do capitalismo sobre o socialismo e os ideais marxistas —, mas também pela persuasividade da produção - assim chamada de teórica - da burguesia (que não passa de apologia cada vez mais rebaixada), os movimentos pela preservação da natureza se colocam, em regra, como militâncias políticas de pauta única, atuando a partir de uma compreensão parcelar de mundo que provoca consequente setorialização dos movimentos.

Sem qualquer análise mais profunda da relação inevitável de destruição irrefreável dos recursos naturais pelo capital em sua expansão incessante, ou tomando como pressuposto a eternidade do capitalismo, esses movimentos acabam apelando por “soluções” reformistas imediatas. Acredita-se, pois, na propaganda de fracasso do marxismo sem buscar - aos moldes do que fora legado pela tradição - na própria realidade, o que poderia se colocar enquanto possibilidade de fato resolutiva para a cada vez mais iminente destruição de populações inteiras em consequência da devastação ambiental. Como exposto anteriormente neste artigo, já em 1843 Marx critica o idealismo especulativo, trazendo também o aspecto negativo da política na resolução dos antagonismos sociais. Quanto a isso, ainda esclarece Sartori que “não é a política e a cidadania aquelas capazes de ultrapassar as limitações da sociedade atual. O que é preciso é a transformação substantiva desta própria sociedade.” (SARTORI, 2020, p. 15).

Acerca da superioridade do marxismo como ponto de partida procedimental e necessário para enxergar uma possível mudança na destrutiva relação do homem com a natureza, colocada como pressuposto objetivo da socialização pelo capital, Mészáros coloca que:

Os movimentos de questão única, mesmo quando lutam por causas não integráveis, podem ser derrotados e marginalizados um a um, porque não podem alegar estar representando uma alternativa coerente e abrangente à ordem dada como modo de controle sociometabólico e sistema de reprodução social. Isto é o que faz o enfoque no potencial emancipador socialista do trabalho mais importante hoje do que nunca. (MÉSZÁROS, 2011, p. 96).

Tomemos como exemplo a organização Greenpeace. Fundada em 1971 no Canadá e hoje tendo se espalhado para o mundo todo, é uma Organização Não-Governamental (ONG) que mobiliza milhares de ativistas e tem como pauta única a preservação ambiental. É famosa por suas lutas contra o desenvolvimento nuclear, a caça de baleias e o desmatamento na floresta amazônica, sendo suas intervenções sempre sob a perspectiva da não-violência e da responsabilidade pessoal.

Partindo de uma lógica que apela para a individualização e a personificação da proposta resolutiva à latente catástrofe ambiental que caracteriza o nosso século, essa forma organizacional de pauta única propõe combater a exploração desenfreada da natureza ao lutar apenas contra alguns empresários e latifundiários — as personificações do capital que se apresentam a partir das práticas mais predatórias e destrutivas. De acordo com essa proposta, de cunho moralizante, alguns donos de grandes negócios personificados deteriam caráter questionável, visando ao “lucro” em detrimento da preservação ambiental — e, assim, a organização justificaria sua existência, sem quaisquer questionamentos à estrutura da produção e da centralidade em que se coloca o trabalho, deslocando a culpa do problema ambiental para alguns indivíduos isoladamente (Cf. MARX, 2010). Colocam, assim, uma responsabilidade de cunho moral nas mãos de cada pessoa, ignorando as determinações constitutivas do processo de produção da realidade, que objetiva os próprios interesses subjetivos de maneira concretamente antagônica. Não pretendemos, aqui, avaliar de forma minuciosa as diversas atuações da organização, mas tão somente trazê-la como uma referência de organização de pauta única que acaba propondo uma “solução” ambientalista a partir de pressupostos burgueses que representam muito bem o que Mészáros critica na obra em análise.

O próprio autor traz também outro exemplo de solução apologética: o banimento do CFC (clorofluorcarboneto) que foi determinado pelo Protocolo de Montreal em 1987 como combate à destruição da camada de ozônio. Colocada como uma fachada de preocupação ambiental, a luta dos governos de diversos países do mundo contra o uso do CFC não passava de uma hipocrisia, sendo que a substituição deste gás por outros “traria rápidos negócios e lucros maximizados a algumas companhias transnacionais da química, como a ICI inglesa” (MÉSZÁROS, 2011, p. 222).

Outra analogia foi feita a partir de uma análise que perpassa a agenda de “desenvolvimento sustentável” da Conferência Eco-92, que impôs limites de desenvolvimento industrial aos países emergentes, “medidas corretivas” que estão claramente subordinadas ao interesse do capital e “à perpetuação de relações de poder e interesses globais estabelecidos”, sob uma fachada de luta ambientalista. Mészáros completa:

Causalidade e tempo devem ser tratados como brinquedos dos interesses capitalistas dominantes, não importando a gravidade dos riscos implícitos. O futuro está implacável e irresponsavelmente confinado ao horizonte muito estreito das expectativas de lucro imediato. Ao mesmo tempo, a dimensão causal das condições mais essenciais da sobrevivência humana é perigosamente desconsiderada. Somente a manipulação retrospectiva da reação aos sintomas e efeitos é compatível com a permanência do domínio da causa sui do capital. (MÉSZÁROS, 2011, p. 223 - grifos nossos)

Para o filósofo, os defensores do capital encontraram, então, no brado por um partido verde, mais uma forma de acalmar os angustiados defensores da preservação da natureza. Criou-se um eleitorado militante para os partidos de visão reformista que se colocavam com o selo da sustentabilidade, pretendendo atender às demandas ambientalistas de pauta única. No entanto, até mesmo a tentativa de qualquer reforma significativa no metabolismo homem-natureza, enquanto posta pelo capital, fracassou:

O sistema do capital se mostrou impermeável à reforma, até mesmo de seu aspecto obviamente mais destrutivo. A dificuldade não está apenas no fato de os perigos inseparáveis do atual processo de desenvolvimento serem hoje muito maiores do que em qualquer outro momento, mas também no fato de o sistema do capital global ter atingido seu zênite contraditório de maturação e saturação. Os perigos agora se estendem por todo o planeta; consequentemente, a urgência de soluções para eles, antes que seja tarde demais, é especialmente severa. Para agravar a situação, tudo se torna mais complicado pela inviabilidade de soluções parciais para o problema a ser enfrentado. Assim, nenhuma “questão única” pode, realisticamente, ser considerada a “única questão”. Mesmo sem considerar outros efeitos, esta circunstância obrigatoriamente chama atenção para a desconcertante marginalização do movimento verde, em cujo sucesso se depositaram tantas esperanças nos últimos tempos, mesmo entre antigos socialistas. (MÉSZÁROS, 2011, p. 95 - grifos nossos).

O capital, enquanto potência estranhada sob a sombra da incontrolabilidade, teve que recorrer, então, ao fortalecimento do que Mészáros denomina como mediações de segunda ordem, as quais “se interpõem, como ‘mediações’, em última análise destrutiva da ‘mediação primária’, entre os seres humanos e as condições vitais para a sua reprodução, a natureza” (MÉSZÁROS, 2011, p. 179). Em Para além do capital elas podem ser resumidas, basicamente, em seis grupos principais: a família nuclear; os meios alienados de produção e suas “personificações”; os objetivos fetichistas da produção; o trabalho, estruturalmente separado da possibilidade de controle; as variedades de formação do Estado do capital no cenário global; e o incontrolável mercado mundial (MÉSZÁROS, 2011, p. 180). (16)

Enquanto “uma parte da natureza que deve satisfazer suas necessidades elementares por meio de um constante intercâmbio com a natureza” (MÉSZÁROS, 2011, p. 212), é necessário aos seres humanos reconhecer a inevitabilidade de se construir uma nova base de interação objetiva. Ao reforçar as mediações de segunda ordem (a partir dos pressupostos estranhados que se apresentam essencialmente à especificidade da reprodução sociometabólica do capital) para parecer que as mediações de primeiro grau — isto é, aquelas que trazem de fato interações objetivas essenciais à sociabilidade humana como tal, tendo a determinação ontológica fundamental se efetivando na relação entre o homem e a natureza — não são, de fato, a raiz de toda a destruição, o colapso ambiental apenas se intensifica (fator que os “ambientalistas” que atuam no campo da política, do direito e do Estado parecem não perceber). Nosso autor aponta:

Em consequência dessas condições e determinações ontológicas, os indivíduos humanos devem sempre atender às inevitáveis exigências materiais e culturais de sua sobrevivência por meio das indispensáveis funções primárias de mediação entre si e com a natureza de modo geral. Isto significa assegurar e salvaguardar as condições objetivas de sua reprodução produtiva sob circunstâncias que mudam inevitável e progressivamente, sob a influência de sua própria intervenção através da atividade produtora – a ontologia unicamente humana do trabalho – na ordem original da natureza, que só será possível se envolver plenamente todas as facetas da reprodução humana produtiva e a complexa dialética do trabalho e da história da reprodução autoprodutiva. (MÉSZÁROS, 2011, p. 212)

Aqui, portanto, Mészáros reforça a importância de serem analisadas as mediações primárias da relação homem-natureza como determinações objetivas que impõem exigências aos indivíduos (que não podem, então, ser colocadas no campo de um interesse subjetivado), apesar de aparecerem socialmente suprimidas pelas de segundo grau. O vínculo do ser humano com a natureza, centrado no trabalho enquanto atividade produtora, aparece de modo inverso quando postas na sociedade do capital, levando organizações como o Greenpeace (e pactos governamentais como o Protocolo de Montreal e a agenda de sustentabilidade do Eco-92) a ficarem no campo das aparências, propondo reformas dentro do âmbito de algumas destas mediações (tal como o Estado moderno). No entanto, o que o autor defende é que justamente a única maneira de solucionar os problemas ambientais é perpassando as mediações de primeira ordem, transformando essencialmente a relação homem-natureza que vive hoje sob a égide da incontrolabilidade destrutiva do capital.

Assim, não há como escapar do imperativo de estabelecer relacionamentos estruturais fundamentais pelos quais as funções vitais da mediação primária sejam exercidas enquanto a humanidade sobreviver. Paradoxalmente, o círculo vicioso das mediações de segunda ordem do capital é grandemente reforçado porque suas principais formas historicamente evoluídas (discutidas na seção 4.2.1) estão todas ligadas (ainda que de maneira alienada) a alguma mediação primária ou de primeira ordem da atividade básica produtiva/reprodutiva – fato esse perigosamente ignorado pelos socialistas. (MÉSZÁROS, 2011, p. 212)

A única saída possível frente à incontrolável destruição do sistema pautado no capital é a alternativa socialista. No entanto, é preciso que os marxistas aprendam com os erros do passado e se atenham à urgência e à necessidade de se abordar a pauta ambiental como parte integrante e essencial da luta contra o capitalismo — e não em sua dissociabilidade do marxismo, tal como os apologistas da ciência burguesa a propõem. É mais que necessário que se reconheça a urgência da transformação da relação homem-natureza por meio de uma mudança radical na forma de produção e reprodução da vida que temos hoje. Ao contrário do que nos aparece de imediato, o sistema do capital não é capaz de ser controlado, nem pelo Estado (que é, em verdade, parte — movente e movida — da estrutura do capital), nem pelas suas superestruturas jurídica e política, e tampouco pelas personificações do capital - que são colocadas por Mészáros enquanto determinantes determinados dentro da nossa forma de sociabilidade (cf. MÉSZÁROS, 2011, p. 139).

As mediações de segunda ordem alteram as fontes primárias de modo a torná-las quase irreconhecíveis, “para adequar-se às necessidades expansionistas de um sistema fetichista e alienante de controle sociometabólico” (MÉSZÁROS, 2011, p. 213). E para mudá-las não se pode recair em romantismo que idealiza a condição do homem em seu chamado “estado natural” (cf. MÉSZÁROS, 2011, p. 214). É dever de um projeto socialista retomar o controle da produção e reprodução às mãos dos indivíduos, estabelecendo “um conjunto coerente de mediações de segunda ordem, viáveis na prática e controladas racionalmente, não por certa misteriosa entidade impessoal como o ‘Espírito do Mundo’ e suas variantes, nem por um ‘coletivo’ místico, mas por indivíduos reais” (MÉSZÁROS, 2011, p. 215 - grifos nossos).


NOTAS:

1. Mészáros começa seu trabalho apontando uma correlação das elaborações hegelianas sobre Filosofia da História e Fenomenologia do Espírito e as análises da anatomia da sociedade civil-burguesa, a economia política, por parte dos teóricos da burguesia, em especial seu pioneiro, Adam Smith (em sua concepção de capital permanente universal), e como elas trazem consigo um elemento abstrato não procedente, ou insuficiente, para a análise da realidade concreta da sociedade capitalista. Trazendo consigo a historicidade abstrata, Hegel invocaria o elemento racional da realidade, que se moveria, à imagem da mão invisível, de forma a potencializar as ações humanas para além de sua intencionalidade e que, na sociedade burguesa, o ganho qualitativo seria capaz de conciliar os interesses dos indivíduos, concretos, em abstrato (o fim da história), forma de pensamento superada pelas elaborações marxianas - cujos fundamentos e cujo legado são trazidos por Mészáros (cf. MÉSZÁROS, 2011, pp. 214-215).


2. Conforme elaboração de Mészáros, a temática da ativação dos limites absolutos se encontra mais vigorosamente desenvolvida no quinto capítulo do livro que tomaremos como base. Para análise mais detida, (cf. MÉSZÁROS, 2011, pp. 216-344).


3. Compreendendo a hegemonia do pensamento stalinista nas leituras marxistas do século XX, que remanesce até hoje - e para isso é necessário compreender o stalinismo para além da crítica à figura de Stalin em si, mas a partir das condições geradas por sucessivas decisões equivocadas do PCUS (LUKÁCS, 2008, p.106-123), em especial a proposta de socialismo em um só país, que obrigou a União Soviética a se submeter às competições por mercado em escala global a partir de determinações próprias do capital em sua lei do valor -, Mészáros dispõe, em crítica a quaisquer pressupostos que pretendam apontar a possibilidade de controle, em escala meramente nacional, a produção a partir de um formato organizacional pretensamente socialista: “Assim, em vez de remediar os defeitos produtivos do sistema do capital soviético pós-capitalista por meio de uma taxa politicamente imposta de produção, ele terminou com uma taxa de socialização da produção altamente forçada, que não poderia ser sustentada devido ao fracasso estrutural no controle do trabalho recalcitrante e também ao baixo nível de produtividade que a acompanhou. A implosão do sistema soviético ocorreu sob o peso inadministrável dessas contradições.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 128).


4. Na obra Socialismo ou Barbárie, Mészáros também traz o fracasso do keynesianismo, base da constituição da social-democracia e que se apresenta, ainda hoje, como suposta alternativa de esquerda ao socialismo sem romper com as determinações do Capital: “(...) E quando finalmente se tornou claro que os truques keynesianos não seriam capazes de recriar os ‘milagres’ anteriores (ou seja, as condições descritas como ‘milagres’ por aqueles que à época ilogicamente acreditavam neles, não por seus adversários críticos), os antigos propagandistas da solução final keynesiana das imperfeições do capital simplesmente viraram a casaca e, sem o menor sinal de autocrítica, convidaram todos os que ainda não haviam atingido seu próprio grau de esclarecimento transcendental a acordar de seu sono para dar ao velho herói um enterro decente” (MÉSZÁROS, 2003, p.12). Esse fracasso, no entanto, foi ainda mais forte no que tange a propaganda de modernização dos países subdesenvolvidos, que sofrem as consequências mais profundas das contradições do capitalismo imperialista, chamando atenção para um “defeito estrutural fundamental de todo o sistema” (MÉSZÁROS, 2003, p.13)


5. Escolhemos aqui as elaborações de Mészáros, preferindo não travar um embate às posições acerca da questão ambiental consagradas em outras tradições marxistas, devido ao estudo aprofundado e sistematizado disseminados com mais frequência em produções dessas tradições em comparação à que buscamos trazer. Acreditamos ser necessário um aprofundamento mediado da compreensão do húngaro sobre colapso ambiental para que se possa, mais rigorosamente, trazê-lo frente a elaborações como as de Michael Löwy - em sua formulação utopia ética (enquanto “não-lugar”) à qual se efetivariam as construções de uma sociedade ecossocialista (LÖWY, 2014) -; e as talvez mais bem elaboradas de John Bellamy Foster, em seu esforço na construção de uma ecologia marxiana, se debruçando mais atentamente sobre os textos do próprio Marx na tentativa de trazer, mesmo que de forma mais apologética por vezes (FOSTER, 2000, p. 164), a concepção do renano como pioneiro do pensamento sobre ecologia (FOSTER, 2000). Assim, propõe-se trazer Mészáros enquanto uma forma de pensamento original que, levando consigo o legado marxiano, mas ao mesmo tempo compreendendo as determinações específicas de nossa época, é capaz de propor uma alternativa concreta que permita a construção de uma sociedade de indivíduos emancipados - não a partir de uma ideia a ser alcançada e efetivada idealisticamente, mas a partir da própria sociedade capitalista, com suas contradições e potencialidades.


6. Referenciando as seguintes palavras de Marx n’O 18 de Brumário de Luís Bonaparte: “Não é do passado, mas unicamente do futuro, que a revolução social do século XIX pode colher a sua poesia. Ela não pode começar a dedicar-se a si mesma antes de ter despido toda a superstição que a prende ao passado.” (MARX, 2011b, p. 28).


7. Como mostra Vitor Sartori, apesar de o direcionamento dessa produção chasiniana ser direcionada ao estudo rigoroso dos textos marxianos, ela não se restringe apenas a este tipo de esforço. Em suas palavras: “A abordagem marcada pela análise imanente justifica-se porque, com ela, é a partir do próprio texto (...) que emergem as determinações de seu pensamento. (...) Assim, a análise imanente chasiniana (que tem suas raízes nas pesquisas de Lukács da Destruição da Razão) constitui um passo necessário no entendimento de obras, artigos, e contribuições de autores importantes” (SARTORI, 2020, p. 3).


8. “As revoluções anteriores tiveram de recorrer a memórias históricas para se insensibilizar em relação ao seu próprio conteúdo. A revolução do século XIX precisa deixar que os mortos enterrem os seus mortos para chegar ao seu próprio conteúdo. Naquelas, a fraseologia superou o conteúdo, nesta, o conteúdo supera a fraseologia” (MARX, 2011b, p. 28-29)


9. Mészáros traz à tona precisamente o fracasso das experiências socialistas do século XX (ou, em suas palavras, pós-capitalistas) na tentativa de se remeter para além dos pressupostos mais fundamentais da sociabilidade capitalista. Ele dirá como, ao adotar em seus programas o reconhecimento de práticas impotentes no processo de emancipação humana (como o socialismo em um só país), os Partidos Comunistas não superaram a ordem do capital, mesmo que tenham se apresentado como uma via específica de organização produtiva que não se pode propriamente se chamar de capitalista, precisamente por não superarem os elementos essenciais à produção mercantil (MÉSZÁROS, 2011, p. 180), não se encontrando em capacidades de superar, sequer a longo prazo, o estranhamentos que envolve a sociabilidade humana. Neste sentido (e isso será desenvolvido melhor ao longo do trabalho), da mesma forma que os países capitalistas, eles próprios trazem consigo a negação do futuro - não em abstrato, que reconhecem um futuro idílico, mas impotente, de horizonte emancipatório, mas concreto, em um estado de emergência que se apresenta inerte dentro de qualquer possibilidade de dar um passo à frente. (MÉSZÁROS, 2011, pp. 140-141, rodapé 10).


10. Na campanha lançada pelo Financial Times em 16 de setembro de 2019, a revista, grande referência de comunicação ideológica da burguesia, clama por um recomeço do capitalismo, reconhecendo as crises recentes, cada vez mais sucessivas, que podem levar a um colapso social que já é iminente. Cada vez mais se clama por um capitalismo mais consciente, racional, sustentável e perene, com um forte apelo à ética, sem perceber que essas tentativas reafirmam sua determinação negativa e carregam consigo a percepção do caráter irreconciliável das contradições basilares da constituição do sociometabolismo do capital, presente nas bases fundamentais dessa forma de sociabilidade e expressa na incapacidade de controle em sua própria essência, que a coloca necessariamente enquanto potência destrutiva. Cf. FINANCIAL TIMES. Financial Times sets the agenda with a new brand platform.


11. Nas palavras de Mészáros: “A lógica inerente ao sistema do capital piora progressivamente essa contradição, em vez de ajudar a resolvê-la. Para as empresas que operam segundo a lógica do capital, a única forma de melhorar as oportunidades de controle é aumentar constantemente sua escala de operação – o que torna a expansão do capital uma exigência absoluta –, não importa o quanto sejam destrutivas em termos globais as consequências da utilização voraz dos recursos disponíveis (para os quais as empresas privadas não têm medidas nem preocupações).” (MÉSZÁROS, 2011, p. 258).


12. Aqui, corrobora-se com a posição de José Chasin no que tange o necessário cuidado a se tomar com a identidade entre crise e catástrofe, bem como aquela entre contradição e autodestruição. (CHASIN, 2000, pp. 76-77).


13. Aqui é importante ressaltar o esvaziamento da postura revolucionária, propositiva - não apenas da esquerda mobilizada, mas também do pensamento marxiano - de grupos socialistas (em especial os de países periféricos), como os cepalinos, como a analítica paulista etc., que trazem consigo enquanto central o desenvolvimento nacional não apenas enquanto movimento anti-imperialista, mas como garantidor de uma soberania nacional que permitiria o Estado, a partir daí, conciliar propriamente os antagonismos sociais. (Cf. CHASIN, 1989).


14. Mészáros ironiza esse termo ao longo de Para Além do Capital, retratando como aqueles que dizem se preocupar com o assim chamado mundo real, com o pragmatismo, tendem a ser aqueles que se prendem ao idealismo em seus discursos conciliatórios, sejam os liberais com seu grito de guerra, “there is no alternative!”, sejam os stalinistas com sua postura defensiva de exaltação ao “socialismo realmente existente”. (MÉSZÁROS, 2011, pp. 21-33)


15. Para conferir melhor essa leitura da compreensão da economia no processo de reprodução social, ela é referenciada a partir de elaborações presentes de forma mais sistematizada nos Grundrisse, manuscritos preparatórios para o Capital (MARX, 2011a), que influenciaram a leitura de filósofos no século XX como György Lukács, em Para uma ontologia do ser social (LUKÁCS, 2013), e, tomando sua influência na análise dos textos marxianos como ponto de partida, José Chasin, no seu já citado Estatuto (CHASIN, 2009).


16. Não pretendemos, neste trabalho, abraçar a tarefa de analisar de forma mais aprofundada o caráter de cada uma dessas mediações conforme o desenvolvimento de Mészáros, apenas realizar um breve apontamento acerca da importância delas enquanto elementos ativos no processo de reprodução de uma forma de vida estranhada. Para melhor compreensão destes elementos específicos (cf. MÉSZÁROS, 2011, pp. 175-215).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. São Paulo: Ensaio; n. 17/18, 1989.



_____. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.



_____. Marx, hoje: da razão do mundo ao mundo sem razão. In: Nova Escrita Ensaio. Ano XV, n° 11/12. Edição Especial. São Paulo: Editora e Livraria Escrita, 1983.



_____. Rota e prospectiva de um projeto marxista. In. Ensaios Ad Hominem - N. 1, Tomo III – Política (2000). São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000.



FOSTER, John B. Marx’s Ecology. New York: Monthly Review Press, 2000.



HEGEL, G. W. F. Lecciones sobre la filosofía de la historia universal (Trad. José Gaos). Madrid: Revista de Occidente, 1974.



LÖWY, Michael. O que é o ecossocialismo? São Paulo: Cortez, 2014.



LUKÁCS, Georg. El asalto a la razón (Trad. Wenceslao Roces). Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1959.



_____. Para uma ontologia do ser social (Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet e Ronaldo Vielmi Fortes). São Paulo: Boitempo, 2013



_____. Socialismo e democratização: escritos políticos 1956-1971 (Tradução de Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.



MARX, Karl. As lutas de classes na França de 1848 a 1850 (Tradução de Nélio Schneider). São Paulo: Boitempo, 2012



_____. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. In: Crítica da filosofia do Direito de Hegel (Tradução de Leonardo de Deus) São Paulo: Boitempo, 2013.



_____. Grundrisse (Tradução de Mário Duayer e Nélio Schneider). São Paulo: Boitempo, 2011a.



_____. Manuscritos econômico-filosóficos (Tradução de Jesus Ranieri). São Paulo: Boitempo, 2004.


_____. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (Tradução de Nélio Schneider). São Paulo: Boitempo, 2011b.



_____. Sobre a questão judaica (Tradução de Nélio Schneider). São Paulo: Boitempo, 2010.



MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital (Tradução de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa). São Paulo: Boitempo, 2011.



____. Socialismo ou Barbárie? (Tradução: Paulo Cezar Castanheira). São Paulo: Boitempo, 2003.



SARTORI, Vitor Bartoletti. Política, gênero humano e direitos humanos na formação do pensamento de Karl Marx. Rio de Janeiro: Revista Direito e Práxis, Ahead of print, 2020.





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