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Antiintelectualismo e defesa da pobreza em Jones Manoel: o debate sobre consciência de classe

Por Krishna Edmur

Fonte: Lenin Speaking to the Workers of the Putilov Factory by Isaak Brodsky.


Jones postou um vídeo, na última segunda, debatendo as diferentes vias para se tornar um comunista em que opõe saber e sentir, apontando a importância da posição de classe no processo de tomada de consciência. O youtuber instrumentaliza esse debate importante pra tecer críticas ao que vem chamando de academicismo e no caminho acaba fazendo um elogio à pobreza. Nesse texto busco demonstrar seus erros.


1. COMO JONES COLOCA O DEBATE

Em termos gerais, Jones aponta que enquanto oque chama de proletário, por sofrer diariamente as mazelas do capitalismo, tem maior facilidade em atingir uma consciência de classe comunista, porque acima de compreender, sentem a exploração. Os acadêmicos por outro lado, que chegam ao comunismo pelo convencimento, mas em sua posição de classe privilegiada – no sentido de não sofrer com falta de dinheiro que gera muitos outros problemas – mantém um vício pequeno-burguês. E para superar esse vício, um intelectual tem que se revolucionar.


2. QUAL O VERDADEIRO DEBATE ENTRE SABER E SENTIR? OU: SOBRE AS DIFERENTES VIAS PARA A TOMADA DA POSIÇÃO DE MUNDO REVOLUCIONÁRIA


Para responder a essa questão, antes temos que resolver alguns erros presentes na análise de Jones.


A) O PROLETÁRIO

Ao retratar o proletariado como classe revolucionária Marx está se referindo majoritariamente aos trabalhadores ligados aos diversos ramos desenvolvidos com a Revolução Industrial. Uma das características desse proletariado era a miséria que viviam, mas isso não é a única coisa que os tornava proletários, nem tampouco revolucionários.

Quando Marx percebe o proletariado como classe revolucionária e constrói as bases teóricas que,juntamente aEngels, veio a chamar de socialismo científico e tem como objetivo ser a posição ideológica desse movimento real, ele destaca como central para a condição de revolucionária do proletariado justamente a oposição entre desenvolvimento do capital e formas de relação de trabalho. Nessa, o trabalhador que produz tudo – e o proletariado que Marx analisava efetivamente era ponta de lança no processo de desenvolvimento do capital, justamente porque responsável pela produção direta das mercadorias de maior valor agregado do período - não obtém nada, tem que vender sua força de trabalho para se sustentar e vive uma vida miserável. Além disso, há outro elemento, sendo ele, sim, o central, que vou abordar mais à frente.


B) O QUE TORNA O PROLETARIADO REVOLUCIONÁRIO

Analisando o desenvolvimento do capital, em especial as lutas do operariado de seu tempo, Marx pôde compreender o que fazia o proletariado ser um potencial revolucionário. Uma classe que produz tudo, logo, tem grande capacidade de parar o processo produtivo e gerar um caos. Uma classe que tende a se rebelar, na medida em que é jogada à miséria a ponto que não resta a eles nada além de lutar com todas as forças pra sair dessa condição. Uma classe marcada pela posição de confronto com o capital, de modo que a melhoria de suas condições de existências é tolhida pela ganância pelo lucro. Em geral, uma classe que tendia a uma união, na medida em que todos partilhavam misérias semelhantes morando amontoados em bairros operários ou dentro das próprias fábricas. Unindo capacidade de parar o processo produtivo à vida miserável que os levavam a se rebelarem, e a forma coletiva como partilhavam os problemas e as lutas, tem-se aí uma possibilidade posta para o caminho da revolução.

Marx não criou sua teoria revolucionária e em seguida buscou o agente revolucionário pra efetivá-la. Na verdade, ele viu o agente em ação e o embasou teoricamente, tornando sua teoria a face ideológica do movimento proletário. Marx cumpre outras tarefas diversas das intelectuais? SIM! Mas essas tarefas o movimento cumpriria facilmente sozinho, sem Marx. O diferencial do autor é construir a ideologia do que o proletariado efetivava nas lutas práticas.


C) ELOGIO À POBREZA

A priori, em termos gerais, é isso que determina a condição do proletariado - ao menos aquele do século XIX analisado por Marx - enquanto classe revolucionária. Quando Jones em seu vídeo quer opor o pequeno-burguês ao proletário, em geral ele narra casos em que comenta da pobreza de uma pessoa. Se ser pobre tornasse as pessoas proletários, Marx não fundaria a internacional dos trabalhadores. Com a quantidade de pobres em Londres no período a AIT seria dominada por mendigos. Como comento acima, Marx estava de olho no trabalhador fabril não porque era o mais miserável.


2.1- ACERCA DO VERDADEIRO DEBATE ENTRE SENTIR E SABER

Existe efetivamente uma diferença, não só na forma que o proletariado toma a posição revolucionária se comparado às demais parcelas da população, como também na função que cumprem rumo à revolução. Pra não causar confusão em torno das diversas concepções do que é a tomada de consciência de classe, tomarei termos mais objetivos. E aqui vou largar o “operariado”, ponta de lança do movimento comunista no século XIX e início do XX, para falar de “trabalhador” em geral, pois o que vou tratar tende a valer para trabalhadores em geral, salvo exceções, e não só para a ponta de lança.

A primeira coisa a ser entendida é que um processo revolucionário exige duas forças presentes, que em certa medida caminham mais ou menos juntas, uma é a força dos trabalhadores postos em luta, a outra é a posição ideológica revolucionária. Sem qualquer um dos dois é impossível uma revolução. Vemos casos de trabalhadores em luta, como na Alemanha Nazista, que sem posição ideológica revolucionária apoiaram Hitler e o colocaram no poder. Ou casos de ideologias que defendem a revolução, que sem trabalhadores em luta são irrelevantes para a maior parte da população. Tomemos caso a caso.


2.1.1- TRABALHADORES


A) SOBRE SENTIR NA PELE, OU, O QUE COLOCA OS TRABALHADORES NO CAMPO DA LUTA

Em geral, é impossível determinar com exatidão quando os trabalhadores vão entrar em processo revolucionário. Em texto que não recordo a origem, mas suspeito ser uma entrevista concedida já ao fim da vida, Marx chega a se referir às grandes insurreições como forças naturais justamente pela imprevisibilidade de quando e onde vão acontecer. No entanto, isso não quer dizer que é impossível determinar a força que impele os trabalhadores à luta. Essa motivação, na verdade, é quase consenso entre os grandes teóricos da tradição marxista: os trabalhadores tendem a se rebelar quando são submetidos a piora das condições de vida, ao passo em que o contrário também é verdadeiro, em períodos de prosperidade econômica revertida em melhorias das condições de vida da classe, os trabalhadores se põe menos na luta política.


B) ENTRE A LUTA POR MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA E A LUTA PELA REVOLUÇÃO: SOBRE O PROCESSO DE CONVENCIMENTO

Os trabalhadores em luta, no geral, tendem a ter como pautas questões práticas de sua vida, justamente porque é a busca por melhorias na qualidade de vida que os colocam na luta. No entanto – e aqui entra o debate sobre o “sentir” pela via correta –, esses trabalhadores estão mais propensos, justamente por já lançados à luta, a serem convencidos por uma posição de mundo específica. Na verdade, qualquer classe quando em luta está mais propensa a ser convencida sobre certa pauta política, mas o que torna o trabalhador o representante verdadeiro da luta comunista é o outro aspecto decisivo para o proletariado do XIX ser visto como classe revolucionária para Marx, que no início do texto informei que abordaria mais à frente.

O confronto entre capital e trabalho no capitalismo assume o seguinte contorno: o interesse da classe trabalhadora é diametralmente oposto aos interesses do capital. Na medida em que a valorização do capital se dá pela extração de mais valor do trabalhador, quando o trabalhador sai em luta reivindicando melhores salários, ou mesmo outras melhorias em suas condições de vida, ele está disputando com o capital a parcela de mais valia que será espoliada de sua atividade. Nessa medida, o capital que em sua forma de ação, tende sempre a buscar mais lucro, e o trabalhador, que tende sempre a buscar melhores condições de vida, são antagônicos. E justamente a posição antagônica como classe assalariada é o que diferencia a classe trabalhadora das demais classes, sendo entre os que citei acima, o elemento decisivo para que essa seja a classe revolucionária. Isso porque enquanto outras classes, quando em luta, podem atingir seus objetivos sem ferir o capital, a luta por melhores condições de vidas, mesmo que não de forma decisiva, é uma luta contra o capital. Marx esclarece a questão em seu texto sobre a greve dos tecelões da Silésia. Exatamente por isso, quando os trabalhadores estão em luta é mais fácil que sejam convencidos pela via revolucionária de derrubada do capital; cabe ao movimento ideológico, tal como Lenin fez em seu “Paz, Pão e Terra” - a verdadeira realpolitik -, demonstrar que a única forma definitiva de melhoria das condições de vida se dá na e com a revolução socialista. Esse é o “sentir”, que torna a classe trabalhadora mais propensa à revolução.


2.2- SABER, OU, SOBRE O MOVIMENTO IDEOLÓGICO

Resta então tratar da outra parcela que compõe o movimento comunista, a chamada parte consciente do processo revolucionário. Se os trabalhadores são os agentes da revolução, o movimento ideológico não apenas convence os agentes – propensos a serem convencidos - da necessidade pela revolução, como também os arma para atingirem esse objetivo. Sendo assim, enquanto o caminho da classe trabalhadora à posição revolucionária perpassa necessariamente pelas lutas por melhores condições de vida – que ao fim, são engendradas a partir do que “sentem na pele” - a parcela que constrói a base ideológica desse movimento não chega à luta revolucionária da mesma forma. No movimento ideológico, o que os joga na luta revolucionária é, em geral, o convencimento político, que pode vir de diversas formas, muitas vezes pelo convencimento racional no debate de ideias ou quando busca dar respostas a um problema posto, e percebem que essas respostas são possíveis apenas com uma revolução socialista. Alguns desses casos - entendendo a diferença de estatura e relevância entre as diferentes figuras - são: Marx, Engels, Lukács, Lenin, Caio Prado Junior, José Paulo Netto e Mauro Iasi. De acordo com Lafargue, Marx costumava dizer que qualquer um que fosse isento de posições políticas prévias, ao analisar a sociabilidade do capital seria partidário do comunismo. Mas para entender esse debate da maneira correta, devemos ter clareza que o que o pauta não é a identidade de um indivíduo, de modo que nada impede, por exemplo, que um trabalhador isolado, se deparando com diferentes posições de mundo entre na luta revolucionária pelo convencimento lógico racional da necessidade da revolução. Não conheço a vida pessoal do Jones, então tomo minha situação como exemplo. Sou estudante mestrado, logo, acadêmico, mas na concepção de Jones sou também um proletário. Vejam bem! Não gosto de falar sobre minha vida pessoal quando não convém, mas serve de exemplo aqui. Eu sou pobre! Criado em uma família do lúmpen, desde o berço vivendo sob condições degradantes tive contato com tudo que a vida à beira da miséria no Brasil pode oferecer. E mesmo assim, não me tornei comunista pela “sensibilidade”, mas pelo convencimento lógico racional. Na época com 14 anos minha primeira namorada me explicou o que era socialismo para além da única coisa que eu pensava sobre: “todas as casas, carros e roupas tem que ter a mesma cor” e pior, todas cinza! Daquela época até os 16 fui sendo convencido, ao ponto que criei afinidade pelo socialismo. Com 16 já na universidade fui pela primeira vez ler algo de um comunista, comecei com o manifesto, passei por alguns outros livros, enquanto acompanhava os debates no facebook. Apesar de na época já achar ser comunista, percebi que fui ser convencido mesmo da posição com Lenin, em Esquerdismo. Ali já não havia mais volta.

Tudo graças ao trabalho de Maria Beatriz. Sem ela - que hoje alça grandes voos no mundo acadêmico, e vem se tornando grande pesquisadora – eu jamais teria sequer entrado na universidade. Mil beijos, Bia!


3- O QUE ESTÁ EM DEBATE, OU, SOBRE “TRAZER A CLASSE TRABALHADORA PARA A LUTA”

A grande questão que esse debate traz, na verdade, foi pouco comentada por Jones, que instrumentalizou o debate em torno de seus interesses políticos, que se vistos de fundo, vão contra o que é desenvolvido pela polêmica. Quando se diz que a classe trabalhadora “sente”, na verdade, o que se está dizendo é que NÃO EXISTE OUTRA FORMA da classe trabalhadora como corpo coletivo - não um trabalhador isolado – tomar consciência, ou, objetivamente, se pôr em movimento e optar pela revolução, senão pelo que sente na pele. Ou seja, o que joga a classe trabalhadora na luta é o que sente na pele. Não essa besteira, que da forma que é colocada no vídeo, o pobre parece ser mais revolucionário por uma suposta superioridade moral abstrata.

Enfim, isso é uma crítica direta àqueles que julgam ser possível, a partir do convencimento político, colocar os trabalhadores em movimento na luta por algo. No fim das contas, oque determina se os trabalhadores vão se rebelar ou não, é, em geral, o quanto estão sendo empurrados a condições de vida degradantes e o tempo que vão aguentar essas condições. Sendo assim, se os trabalhadores não estão em luta, é impossível que o movimento ideológico incida sobre suas consciências a ponto de fazer a classe insurgir em grande revolta.


4- O QUE O TEXTO DO JONES PROPÕE ENTÃO AFINAL?

A partir da instrumentalização do debate verdadeiro sobre tomada de consciência de classe, Jones na verdade apresenta duas conclusões ao individualizar o debate como problema de identidade dos sujeitos que compõe seu partido, e cumprir dois objetivos. O primeiro é a desmoralização da figura do intelectual sob a insígnia de acadêmico - e os acadêmicos têm diversos problemas que devem ser debatidos, mas da maneira correta, indagando por exemplo sobre a dificuldade que têm em trabalhar coletivamente em grandes grupos de pesquisa, potencializando a obtenção de resultados, como ocorre nas áreas de ciências biológicas; ou mesmo sua incapacidade de responder aos problemas postos na vida cotidiana das classes trabalhadoras -, em que, se anos atrás as críticas de Jones miravam principalmente seu suposto descolamento da realidade com pesquisas supostamente irrelevantes – ambos com certo grau de verdade -, hoje o ataque é direcionado aos aspectos de suas vidas pessoais. O que é atacado principalmente, na verdade, é a condição financeira desses acadêmicos, que os torna, segundo Jones, entre outras coisas, tendenciosamente elitistas, machistas, racistas e insensíveis às dificuldades dos trabalhadores.

A segunda é sobre a necessidade de proletarizar o partido. Se os grandes problemas de sua organização são resultado dos problemas próprios à condição de pequena burguesia acadêmica de seus dirigentes (com um foco excessivo sobre seus salários), nada mais correto que buscar a solução nessa proletarização. No entanto, quando confunde, como mostra em seu vídeo, proletário com pobre, o youtuberestá, ao fim e ao cabo, fazendo um elogio à pobreza, dizendo que, no geral, o problema do PCB é quem tem dinheiro, e a solução é encher a organização de proletariado (que para Jones é o mesmo que pobre). É a partir disso que propõe que o PCB se torne um partido de massas, que acima de tudo consiga se infiltrar no seio da classe trabalhadora e trazê-la para a luta, contra o “apassivamento da luta de classes do PT”. Deixando de lado o perfil intelectualizado da militância, mirando o que é relevante de verdade. Se ao produzir os roteiros para seus vídeos, Jones se preocupasse mais em entender o que está debatendo do que em enviesar o debate para parecer certo diante de seu público, certamente saberia que isso é impossível enquanto esses trabalhadores estão distantes das ruashá décadas.


5- UM OLHAR ACERCA DA FIGURA DE JONES MANOEL

É canalha, e acima de tudo burra, qualquer posição que avalie Jones sem reconhecer a grandeza da função que o youtuber – e aqui sem juízo de valor negativo – cumpre, como fazem muitos de seus camaradas, e agora rivais. Acusando-o de não estar presente nas lutas reais – a ladainha mais velha da história do MCI – como Bakunin acusava Marx durante a comuna, são reacionários ao tecer uma crítica de sua força na internet. Como se tornar-se uma figura pública a partir dos mais novos meios de comunicação, fosse em si um problema. Ser honesto é reconhecer que a despeito das discordâncias, Jones deu um passo necessário para aqueles que desejam incidir sobre qualquer revolucionário. Quando analisamos por exemplo a figura de Marx e sua influência no movimento proletário podemos compreender isso. No momento da fundação da AIT, que tem suas origens no movimento proletário insurgente na Inglaterra com as crises de 1858, Marx foi um dos poucos convidados não proletários, se não o único. E seu convite advém justamente do reconhecido trabalho propagandístico do alemão, em especial o trabalho jornalístico que desenvolvia há mais de uma década.

Jones definitivamente atinge um público considerável, e o valor disso deve ser reconhecido, está um passo à frente da maioria dos comunistas hoje no Brasil no caso de uma repentina insurgência, ser aquele a ser convidado pelos próprios trabalhadores a participar do movimento. E por isso, a crítica ao personagem deve ser implacável, porém pelos seus erros, não acertos. Não proponho aqui uma disputa da consciência do youtuber, que pelos diversos erros que apresenta há anos, não parece ser disputável para uma posição correta. Comento apenas que, não errasse em quase tudo que se propõe a responder – se a régua é a posição da revolução - Jones seria um grande líder a ser seguido. Com isso em jogo a tarefa parece ser necessário se criar outras figuras como Jones Manoel, mas uma que não padeça de suas falhas incorrigíveis.

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