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Liev Tolstói como um espelho da revolução russa

por V. I. Lênin


Imagem: Galeria Estatal Tretiakov


Com muita satisfação, iniciamos a comemoração dos 195 anos de nascimento de Tolstói com a publicação do primeiro texto de Lênin a respeito do “artista genial”.

O presente artigo teve sua primeira versão em língua portuguesa na excelente tradução feita pela intelectual e militante marxista Eneida de Morais para a versão brasileira (Trechos escolhidos sobre literatura e arte: Marx, Engels, Lenin e Stalin. Rio de Janeiro: Editorial Calvino, 1945) da antiga e quase esquecida compilação de trechos francesa (Sur la littérature et l’art: Marx, Engels, Lénine, Staline. Éditions Sociales Internationales) feita por Jean Fréville e publicada em 1936. Uma segunda tradução foi feita pela Editora Avante! em Portugal (Lénine, V. I. Obras Escolhidas em seis tomos, Edições Avante!, 1984, Tomo I, p. 364-368).

Tendo como base fundamental as duas traduções em português, consultamos a versão do texto de Lênin em espanhol (Lenin, V. I. Obras completas. Tomo XVII, Moscou: Progreso, 1983, p. 212-219) e em inglês (Lenin, V. I. Collected Works. Vol. 15, Moscow: Progress, 1973, p. 202-209), nos dedicando a uma intensa e cuidadosa consulta ao texto em seu original russo nas Obras Completas. Ainda que nossa proficiência no idioma materno de Lênin seja muito débil, e a versão que estamos apresentando ao leitor não seja mais que uma versão provisória, nossa principal preocupação foi retomar o sentido de alguns elementos perdidos pelas traduções em português, buscando restabelecer algumas importantes expressões e ideias do autor. Da mesma forma, revisamos e adicionamos notas explicativas que ajudem na compreensão do artigo. As palavras destacadas em negrito respeitam o texto original escrito por Lênin.


Revisão de tradução por Pedro Badô.

Revisão textual por Wesley Sousa.


A associação do nome do grande artista à revolução, a qual ele evidentemente não compreendeu, da qual ele claramente se afastou, pode parecer, à primeira vista, estranha e artificial. Deveria chamar espelho algo que obviamente não reflete de maneira correta o fenômeno? Mas nossa revolução é um fenômeno extremamente complexo; entre a massa de seus agentes diretos e de seus participantes há muitos elementos sociais que também não compreendiam claramente o que estava acontecendo, que também se afastaram das verdadeiras tarefas históricas que lhes foram impostas pelo decorrer dos acontecimentos. E se temos diante de nós um artista verdadeiramente grande, ele deve ter refletido [отразить, otrazit'] em suas obras, pelo menos, alguns dos aspectos essenciais da revolução.

A imprensa legal russa, repleta de artigos, de cartas e de notas a respeito do octogésimo aniversário de Tolstói, pouco se interessa pela análise de suas obras do ponto de vista do caráter da revolução russa e de suas forças motrizes. Toda essa imprensa transborda, a ponto de causar náuseas, hipocrisia, e hipocrisia de dois tipos: oficial [(estatal); казенным, kazennym] e liberal. A primeira é a hipocrisia grosseira dos escrevinhadores vendidos que, até ontem, tinham ordem de perseguir L. Tolstói e que, hoje, têm ordem de buscar nele patriotismo, tentando manter as aparências diante da Europa. Que esse tipo de escrevinhadores são pagos pelo que escrevem é um fato do qual todos sabem, e eles não conseguem enganar ninguém. Muito mais sutil, e, por isso, muito mais nociva e perigosa, é a hipocrisia liberal. Ouça os kadetes [1] Balalaikin [2] do Riech [3], sua simpatia por Tolstói é a mais plena e ardente. Na verdade, a declamação calculada e as frases pomposas sobre “o grande buscador de Deus” [“великом богоискателе”, “velikom bogoiskatele”] não passam de completa falsidade, porque o liberal russo não tem nem fé no deus tolstoiano, nem simpatiza com a crítica tolstoiana ao sistema existente. O liberal russo associa-se a um nome popular para aumentar seu capital político, para desempenhar o papel de líder da oposição nacional, ele tenta abafar, com trovões e frases estrondosas, a necessidade de uma resposta direta e clara à questão: de onde vêm as contradições gritantes do “tolstoismo” [4], quais os defeitos e quais são as fraquezas de nossa revolução que elas refletem?

As contradições nas obras, na visão, nos ensinamentos e na escola de Tolstói, são, realmente, gritantes. De um lado, o artista genial que deu não apenas imagens incomparáveis da vida russa, mas também obras de primeira classe da literatura mundial. De outro lado, um senhor proprietário de terras que é um beato louco em Cristo [5]. De um lado, um protesto extraordinariamente forte, direto e sincero contra a mentira e a falsidade sociais; de outro lado, o “tolstoísta”, isto é, um decrépito, um molenga histérico, denominado intelectual russo que, batendo no peito em público, diz: ‘‘Eu sou ruim, eu sou vil, mas estou engajado no autoaperfeiçoamento moral; não como mais carne e me alimento agora de bolinhos de arroz”. De um lado, a crítica implacável à exploração capitalista, a exposição da violência governamental, da comédia dos tribunais e da administração pública, revelando a profundidade das contradições entre o crescimento das riquezas, as conquistas da civilização e o crescimento da miséria, da selvageria e dos sofrimentos das massas trabalhadoras; de outro lado, a pregação abobalhada e beata [юродивая, yurodivaya] da “não resistência ao mal” pela violência [6]. De um lado, o mais sóbrio realismo, o arrancar de todo e qualquer tipo de máscara; de outro lado, a pregação de uma das coisas mais asquerosas que existem no mundo, a saber: a religião, o desejo de substituir os padres nomeados oficialmente por padres por convicção moral, ou seja, um culto do sacerdotismo [7] em sua forma a mais requintada e, por isso mesmo, especialmente repugnante. De fato:


Tu és miserável, e tu és fecunda

Tu és poderosa, e tu és impotente –

Mãe Rússia! [8]


É evidente que, diante de tais contradições, Tolstói não podia, absolutamente, compreender nem o movimento de trabalhadores, e seu papel na luta pelo socialismo, nem a revolução russa. Mas as contradições na visão e nos ensinamentos de Tolstói não são um acaso, e sim a expressão das condições contraditórias nas quais a vida russa foi colocada durante o último terço do século XIX. A aldeia patriarcal, que acabava de se libertar da servidão, fora, literalmente, entregue à circulação e à pilhagem do capital e do Fisco [9]. Os antigos fundamentos da economia camponesa e da vida camponesa – fundamentos que, de fato, resistiram por séculos –, foram demolidos com extraordinária rapidez. E as contradições da visão de Tolstói devem ser avaliadas não do ponto de vista do contemporâneo movimento operário e do contemporâneo socialismo (tal avaliação é, naturalmente, indispensável, mas não basta), mas sim do ponto de vista do protesto contra o capitalismo iminente, contra a ruína das massas e o desapossamento de suas terras, um protesto que vinha, necessariamente, da aldeia patriarcal russa. Tolstói é ridículo enquanto profeta que descobriu novas receitas para a salvação da humanidade – e, portanto, é por isso que são profundamente miseráveis os “tolstoianos” estrangeiros e russos que quiseram transformar em dogma precisamente o lado mais débil de seus ensinamentos. Tolstói é imenso como porta-voz das ideias e do estado de espírito [(humor); настроений, nastroyeniy] que se formaram entre os milhões de camponeses russos no momento do início da revolução burguesa na Rússia. Tolstói é original porque a totalidade de suas opiniões, tomadas em conjunto, exprime precisamente as peculiaridades de nossa revolução, como uma revolução burguesa camponesa. As contradições na visão de Tolstói, desse ponto de vista, são um verdadeiro espelho das condições contraditórias nas quais se desenrolava a atividade histórica do campesinato no decorrer de nossa revolução. De um lado, séculos de opressão servil e décadas de ruína imposta pós-reforma [10] acumularam montanhas de ódio, de raiva e de determinação decorrente do desespero. O esforço de varrer completamente a Igreja oficial, os senhores proprietários de terras e o governo dos senhores proprietários de terras, de destruir todas as antigas formas e regulamentações da propriedade da terra, de limpar o terreno, de substituir o Estado de classe policialesco por uma vida em comunidade [общежитие, obshchezhitiye] entre pequenos camponeses livres e iguais em direitos, – esse esforço atravessa como um fio vermelho cada passo da ação histórica dos camponeses em nossa revolução, e não há dúvida de que o conteúdo ideológico dos escritos de Tolstói corresponde muito mais a esse esforço camponês que ao abstrato “anarquismo cristão”, como às vezes definem o “sistema” de suas visões.

De outro lado, o campesinato, buscando novas formas de vida em comunidade, tinha uma atitude muito inconsciente, patriarcal, simplória [по-юродивому, po-yurodivomu] a respeito de como devia ser essa vida em comunidade, de que tipo de luta seria necessário para conquistar sua liberdade, de que tipo de líder ele podia ter nessa luta, de como os interesses da revolução camponesa são tratados pela burguesia e pela intelligentsia burguesa, de por qual razão é necessária a derrubada violenta do poder tsarista para aniquilar a propriedade senhorial da terra. Toda a vida passada do campesinato lhe ensinou a odiar o senhor e o funcionário público, mas não lhe ensinara e não poderia lhe ensinar onde procurar respostas para todas essas questões. Em nossa revolução, a minoria do campesinato efetivamente lutou, organizando-se minimamente para esse fim, e uma parte ínfima levantou-se de armas nas mãos para exterminar seus inimigos, para aniquilar os servidores do tsar e os defensores dos senhores proprietários de terra. A maior parte do campesinato chorou e rezou, debateu e sonhou, escreveu petições e enviou “requerentes” – bem ao espírito de Liev Nikoláievitch Tolstói! E, como acontece sempre nestes casos, a abstenção tolstóica da política, a renúncia tolstóica à política, sua falta de interesse por ela e por compreendê-la, fizeram com que somente uma minoria seguisse o proletariado consciente e revolucionário, enquanto a maioria tornou-se uma presa para essa intelligentsia burguesa servil e sem escrúpulos que, sob o nome de kadetes, corriam das assembleias dos trudovikes [11] a ante-sala de Stolípin [12], mendigando, negociando, conciliando, prometendo conciliar – até que fossem expulsos a pontapés por um soldado. As ideias de Tolstói são um espelho da fraqueza, das insuficiências de nossa insurreição camponesa, o reflexo da frouxidão [мягкотелости, myagkotelosti] da aldeia patriarcal e da covardia embrutecida do “mujik empreendedor” [13].

Veja as insurreições dos soldados dos anos de 1905-1906. A composição social desses lutadores de nossa revolução é intermediária entre o campesinato e o proletariado. Este último está em minoria; por isso o movimento nas tropas não mostra, nem sequer aproximadamente, essa coesão ao nível de toda a Rússia e essa consciência partidária, reveladas pelo proletariado, que, como num passe de mágica, tornou-se social-democrata. Por outro lado, não há nada mais incorreto do que a opinião de que o motivo do fracasso das insurreições dos soldados foi a ausência de líderes entre os oficiais. Pelo contrário, o gigantesco progresso da revolução desde os tempos da Naródnaia Vólia [14] manifestou-se justamente no fato que foi o “gado cinzento” [15] que pegou em armas contra os superiores, cuja independência tanto amedrontou os proprietários de terra liberais e os oficiais liberais. O soldado estava cheio de simpatia pela causa camponesa; seus olhos brilhavam só de falar da terra. Mais de uma vez o poder nas tropas passou para as mãos da massa de soldados – mas eles quase não se utilizaram de maneira decisiva desse poder; os soldados hesitavam; depois de alguns dias, às vezes depois de algumas horas, tendo matado algum oficial odiado, eles libertavam o restante aprisionado, entravam em negociações com as autoridades e eram submetidos ao fuzilamento, tombavam sob o açoite, submetiam-se novamente ao jugo — bem ao espírito de Liev Nikoláievitch Tolstói!

Tolstói refletiu o ódio em ebulição, o amadurecido esforço por uma mudança para algo melhor, o desejo de se libertar do passado – e dos imaturos devaneios, da falta de educação política, da frouxidão frente à revolução. As condições histórico-econômicas explicam tanto a necessidade da luta revolucionária das massas quanto o seu despreparo para essa luta, a não-resistência ao mal tolstoiana, que foi o motivo mais grave da derrota da primeira campanha revolucionária.

Dizem que a derrota ensina bem aos exércitos. Claro, a comparação entre classes revolucionárias e exércitos é justa apenas em um sentido muito limitado. O desenvolvimento do capitalismo, a cada momento, modifica e agudiza as condições que empurraram os milhões de camponeses, reunidos pelo ódio aos senhores proprietários de terra defensores da servidão [помещикам-крепостникам, pomeshchikam-krepostnikam] e seu governo, para a luta democrático-revolucionária. Entre o próprio campesinato, o crescimento da troca, o domínio do mercado e o poder do dinheiro expulsam, cada vez mais, a antiguidade patriarcal e a ideologia patriarcal tolstoiana. Mas há um ganho dos primeiros anos da revolução e das primeiras derrotas na luta revolucionária de massas que é indubitável: é o golpe mortal dado à antiga tendência ao esfacelamento e à moleza [дряблости, dryablosti] das massas. As linhas de demarcação tornaram-se mais nítidas. As classes e os partidos delimitaram-se. Sob o martelo das lições stolípincas [16], com a constante e firme agitação dos revolucionários social-democratas, não somente o proletariado socialista, mas também as massas democráticas do campesinato inevitavelmente apresentarão lutadores cada vez mais aguerridos, cada vez menos capazes de cair no nosso pecado histórico do tolstoismo!


Proletari, nº 35, 11 (24, no calendário gregoriano) de setembro de 1908.

 

Notas:

[1] Os kadetes – também grafado como “cadetes” –, eram os integrantes do Partido da Liberdade do Povo (Па́ртия Наро́дной Свобо́ды, Pártiia Naródnoi Svobódi), também chamado Partido Constitucional-Democrata (Конституционно-демократическая партия, Konstitutsionno-demokraticheskaia partiia, e daí a sigla K.D.), formado na Rússia em outubro de 1905. Foi o principal partido da burguesia monárquica liberal. Seu programa partidário tinha, em geral, o objetivo de transformar o tsarismo em uma monarquia constitucional.

[2] Balalaikin, personagem da obra do escritor satírico russo Mikhail Ievgráfovitch Saltíkov-Shtchedrín, Idílio Moderno (Совреме́нная иди́ллия, Sovreménnaya idílliya), era conhecido por seu charlatanismo, seu aventureirismo e por suas mentiras. (Nota da edição em espanhol).

[3] O jornal Riech (O Discurso) foi o órgão central do Partido Constitucional-Democrata – dos kadetes –, publicado diariamente em São Petersburgo entre 1906 e 1917.

[4] O termo “толстовщины”, (“tolstovshchiny”) é a aglutinação entre o nome de Tolstói (“толстов-”, “tolstov-”) e a partícula “-щина” (“-shchina”), a qual, em russo, costuma designar algum tipo de coletividade. Algumas vezes a partícula pode designar um modo de vida coletivo, tal qual na palavra “община” (“obshchina”) – a antiga comuna agrária russa –, como também alguma instituição ou prática social, como no caso da aglutinação entre “бар-” (“bar-”) – advindo de “барин” (“barin”), “nobre” ou “boiardo” – e “-‎щина” (“-shchina”), formando o termo “барщина” (“barshchina”), imposto feudal devido pelo camponês ao seu senhor, que costuma ser traduzido para o português como “corvéia”. Por fim, a partícula pode designar uma tendência ideológica ou comportamento social, tendo, muitas vezes, sentido pejorativo, como no caso do termo “обломовщина” (“oblomovshchina”), traduzido como “oblomovismo”, resultante da aglutinação entre o nome “обломов-” (“oblomov-”) e “-щина” (“-shchina”) e que se refere às características do personagem Oblómov, um decadente filho da nobreza rural russa, do romance homônimo de Ivan Aleksándrovitch Gontcharov.

[5] Com a expressão “юродствующий во Христе” (“yurodstvuyushchiy vo Khriste”), Lênin aqui faz referência à figura dos yurodivy (юродивый) – ou yurodstvo (юродство) –, os ascetas cristãos do mundo católico ortodoxo considerados loucos, fanáticos, excêntricos, simplórios e inocentes. São historicamente descritos no ocidente europeu como “holy fools”, com sua “loucura por Cristo” (“foolishness for Christ”). Para o público brasileiro, costuma-se fazer uma analogia com a antiga figura histórica do beato sertanejo, do profeta popular, ainda que exista certa distância histórica entre a particularidade brasileira e a particularidade russa no que tange à religião.

[6] Em russo “‘непротивления злу’ насилием”, (“‘neprotivleniya zlu’ nasiliyem”). A partir de uma exegese própria dos textos bíblicos – principalmente do Sermão da Montanha e sua ideia de “dar a outra face” –, Tolstói elaborou o princípio segundo o qual o indivíduo não deve nunca responder com violência, ainda que esteja sendo submetido a algum tipo de agressão (Cf. Tolstói, L. O reino de Deus está em vós. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011).

[7] Com a expressão “поповщины” (“popovshchiny”), Lênin refere-se aqui à questão dos chamados velhos crentes (староверы, starovery), movimento surgido a partir da recusa em aderir às reformas litúrgicas do Patriarca Nikon no século XVII, resultando em um cisma na Igreja Ortodoxa russa por volta de 1666. Internamente a esse setor divergente da oficialidade ortodoxa – os velhos crentes –, destacavam-se dois grupos principais: os velhos crentes sacerdotais – os popovtsy (поповцы) – e os velhos crentes sem sacerdotes – os bezpopovtsy (беспоповцы). Ao contrário dos bezpopovtsy, os popovtsy, que representavam uma oposição conservadora mais moderada à Igreja reformada, buscaram dar continuidade às práticas religiosas que existiam antes das reformas de Nikon, reconhecendo o sacerdócio e criando uma estrutura eclesiástica própria.

[8] Trecho do poema épico de Nikolai Nekrássov, Quem vive bem na Rússia (Кому на Руси жить хорошо, Komu na Rusi zhit' khorosho), publicado em quatro partes a partir de 1866.

“Ты и убогая, ты и обильная, [Ty i ubogaya, ty i obil'naya,]

Ты и могучая, ты и бессильная – [Ty i moguchaya, ty i bessil'naya –]

Матушка Русь! [Matushka Rus'!]”

[9] No texto original como “фиску” (“fisku”), trata-se do Tesouro do Estado (государственная казна, gosudarstvennaya kazna) ou Fazenda pública. (Nota da edição em russo).

[10] Lênin refere-se aqui à reforma do tsar Aleksandr II que, em 1861, aboliu legalmente o regime de servidão na Rússia.

[11] Os trudovikes, ou trudoviques – chamados também de “trabalhistas”, já que “труд” (“trud”) designa “trabalho” –, pertenciam ao Grupo do Trabalho (Трудова́я гру́ппа, Trudovaya gruppa). Surgiram como dissidentes dos socialistas revolucionários russos em abril de 1906, pois defendiam a necessidade de disputar as eleições para a I Duma de Estado. Possuíam um amplo apoio entre as massas camponesas.

[12] Piotr Arkadievitch Stolípin foi primeiro-ministro do tsar Nicolau II entre 1906 e 1911, tendo sido o principal responsável pela repressão aos levantes das massas populares durante o período. Além disso, ficou conhecido por engendrar um plano de reforma agrária que aceleraria a transformação dos camponeses em pequenos proprietários – extinguindo definitivamente a obshchina – sem que isso implicasse na expropriação dos antigos proprietários de terra.

[13] A expressão “хозяйственного мужичка” (“khozyaystvennogo muzhichka”), por vezes traduzida como “mujik próspero” ou “camponês econômico”, é uma referência literária a um ensaio de Saltíkov-Shtchedrín – intitulado Мелочи жизни (Melochi zhizni), algo como As pequenas coisas da vida, em tradução livre – de 1886. O termo foi amplamente utilizado por Lênin para referir-se aos pequenos proprietários camponeses que compunham uma ascendente camada rural pequeno-burguesa.

[14] Naródnaia Vólia (Народная воля), traduzido livremente como Vontade do Povo, foi uma organização de revolucionários socialistas surgida em 1879 que tinha como ação principal o terrorismo contra figuras do tsarismo.

[15] Entre meados do século XIX e início do século XX, a expressão “серая скотинка” (“seraya skotinka”), traduzida mais precisamente para “gado cinzento/cinza” – ou também “rebanho cinza” –, era usada com ironia e desdém para descrever a massa de soldados russos, os quais eram recrutados, em sua maioria, entre o campesinato pobre. O adjetivo “серая” (“seraya”), uma alusão direta à cor cinza dos sobretudos que compunham os uniformes, parece ter um duplo sentido na medida em que essa mesma palavra também carrega o forte sentido de algo “apagado”, “medíocre”, “insignificante”, “rude” e “inculto”, o que parece ser uma referência às condições degradantes a que os soldados eram submetidos.

[16] Em russo, “столыпинских”, (“stolypinskikh”), refere-se ao primeiro-ministro Stolípin.


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